EXEMPLO A SER SEGUIDO
Logo após vir à tona o episódio do resgate de mais de 200 trabalhadores em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, o segmento vitivinícola do Rio Grande do Sul e o poder público começaram a debater que medidas tomar para impedir novos casos semelhantes. Algumas décadas atrás, as empresas do setor de maçãs da região dos Campos de Cima da Serra, notadamente Vacaria, passaram por problemas semelhantes. Uma didática reportagem de Carlos Rollsing publicada na superedição de Zero Hora detalhou como a atividade deixou para trás a época em que aconteciam situações de trabalho degradante na colheita da maçã para se tornar um exemplo de cuidado com os safristas que vêm de outras regiões do país.
Pode existir alguma diferença da maçã em relação a outras atividades que usam mão de obra terceirizada, mas em síntese Vacaria tem pronta a fórmula para impedir que erros e descuidos se repitam em relação a temporários recrutados em outros Estados. Tudo começa por um diálogo franco entre os envolvidos e uma posição resoluta em buscar soluções. No caso, empresas, fiscais da área de trabalho, poder público e representantes dos trabalhadores. A partir daí, é unir esforços para que todas as normas sejam cumpridas e a tarefa da colheita da maçã - que teria grandes dificuldades de ser executada conforme as necessidades sem os trabalhadores que vêm de fora - seja finalizada com todas as partes satisfeitas.
Para os empresários, isso significa trabalho executado com o cuidado exigido para a fruta não perder valor de mercado, mas no prazo necessário. Para cidadãos que ficam meses longe de casa em busca de sustento para as suas famílias, quer dizer receber o justo e combinado, com todos os direitos garantidos, alojamento, transporte e alimentação adequados e dignos. Ao fim, todos ganham e a parceria se renova no ano seguinte.
A busca pelo trabalho decente, com a erradicação de qualquer opressão ou exploração, é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Os consumidores, da mesma forma, cada vez dão mais atenção à integridade das cadeias dos produtos e serviços. Para acessar mercados externos, são cada vez mais exigidas condicionantes como a observação dos conceitos ESG, sigla que significa aderência a questões sociais, ambientais e de governança. É um caminho sem volta e, nem é preciso reforçar, é o que se espera se a humanidade pretende construir uma nova era de crescimento econômico inclusiva e responsável.
Em tempos de comunicação instantânea e redes sociais potencializando emoções, seria natural que os casos recentes no Estado tivessem grande repercussão. Mas empresas e setores envolvidos reconheceram a necessidade de correções. Mesmo assim, os episódios transbordaram a generalização, algo sempre condenável, por estigmatizar todo um segmento ou uma região. Felizmente, após estratégias iniciais de comunicação equivocadas e declarações lamentáveis, inclusive de figuras públicas, prevaleceu o bom senso e o esforço para eliminar brechas a novos episódios.
Afinal, não é uma questão apenas de observar a legislação, mas especialmente um dever moral de defesa intransigente da dignidade humana. Como mostra Vacaria, é perfeitamente viável se tornar um exemplo de respeito e boas práticas. Demonstrar com ações concretas a aderência aos melhores valores civilizatórios é capaz, inclusive, de se converter em um ativo para setores e marcas.
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