terça-feira, 30 de maio de 2023


O remédio dos lençóis

Quando estou triste, uso um método eficaz: troco a muda de roupa da cama. Dificilmente a minha melancolia, o meu abatimento, a minha mágoa resistirão a lençóis perfumados. É um bem-estar indescritível esticar os pés no fundo deles. Deslizam na sensação de frescor.

Fico com a impressão de que a cama é nova com o incenso da lavanda. O edredom lavado completa o trabalho de reposição de energias. Ocorre uma fotossíntese entre os tecidos e a minha pele: aqueles lençóis limpos, que passaram por horas de sol, transmitem a sua luz para mim.

A fronha não estará mais marcada pelo suor dos cabelos, não terá o peso dos serões difíceis. Trata-se de uma reestreia, a página do calendário virada, a despedida dos problemas antigos. Se a cama estiver com o cheiro vencido, com o cheiro usado do corpo, de quem rolou por ali pela insônia das preocupações, a tristeza aumenta. Sou capaz de chorar inclusive por dores antigas. Sou capaz de reprisar feridas do ego e misturá-las no coração.

Com o quadro de abandono do meu cantinho de repouso, redobram as minhas chances de isolamento e de vitimização. As lágrimas saem fáceis e fartas quando percebo que nada mudou na minha vida. Existirá um apego a um esconderijo, a uma porta fechada, ao escuro.

Diante do enxoval reposto, organizado, esticado, é como se houvesse a transposição de lugar. Por uma noite, durmo com a alma fora de casa, durmo com a alma em hotel, durmo com a alma em viagem.

Minha esposa já conhece a minha tática de dar a volta por cima no humor, o meu feng shui amador, e nem mais reclama quando substituo os lençóis antes de eles completarem uma semana. De onde vem esse remédio caseiro, que não exige nenhuma receita médica?

Do quintal da minha infância. Da alegria de correr no pátio com os lençóis estendidos no varal, devidamente levantados por uma vara para suas bordas não tocarem no chão. Eu atravessava paredes de pano para poder brincar nos extremos do nosso terreno e alcançar a bergamoteira e o abacateiro. Serviam de biombos a meu teatro de fantoches, de obstáculos ao pega-pega com os irmãos.

Eu encostava a testa no lençol úmido, esticando-o ao máximo pelo rosto, até chegar ao outro lado. Ia e vinha sem parar.

Eu me enxergava curado com as repentinas compressas geladas pela cabeça. Para uma criança pequena, não deixava de ser uma aventura não enxergar o que tinha pela frente. Querer descobrir o futuro é estresse do adulto. Querer controlar o futuro é o que nos adoece.

Naquele tempo da minha meninice, bastavam o sol lá fora e um dia de cada vez. Os lençóis simplesmente me devolvem uma época feliz da minha existência, em que nada sabia e tudo sentia, em que eu era livre e solto pelo mundo.

CARPINEJAR 

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