O segredo do abraço
O abraço é a tomada em que você religa a sua sensibilidade, lhe dá uma carga de energia e retoma o poder de se libertar do passado.
Descobri o segredo do abraço. Esvaziar-se antes dele. Não pensar em nada. Não se fixar em um sentimento. Não se lembrar de coisa alguma. Não ter expectativas, sequer tentar prever a reação de quem se aproxima. Seguir o momento presente, o improviso, o destino. Ser somente dois braços, nenhuma ideia, nenhuma preconcepção, nenhuma certeza.
Assim qualquer um pode chorar no meu abraço, ou pode rir, ou pode se emocionar. Porque a pessoa não estará me abraçando, estará se abraçando. Abraçando as suas dores, o seu luto, as suas mágoas, as suas recordações de aconchego, a sua saudade de casa e de alguém.
O abraço facilita a aceitação. Nada é tão grave mais. Nada é tão irreversível mais. As palavras param de doer. Uma vez que não há como se abraçar sozinho, eu me ausento para que o outro se abrace através de mim. Eu desapareço para que o outro finalmente se reconheça por inteiro. Pela primeira vez na vida, ofereço a chance de ele se abraçar. Eu assisto ao gesto grandioso como um instrumento do afeto.
Meu corpo é como um barco para remar, uma árvore para subir, uma pedra para sentar-se. O que vem não depende de minha ação: eu apenas acolho. Só não posso ter pressa, só não posso impor o meu ritmo. O abraço será desajeitado se eu não me entregar. O abraço será nervoso se pensar em mim. O abraço será pela metade se estiver com a cabeça em diferente lugar.
O abraço é sempre alguém chegando, jamais alguém partindo. Que ofereça o que for preciso nesse colo de pé: a duração muda de caso a caso. Alguns exigem intervalos longos, deitam a cabeça no meu peito para ouvir o seu coração batendo de novo a partir do meu. Há quem se sente confortado com o rápido apertão.
O abraço facilita a aceitação. Nada é tão grave mais. Nada é tão irreversível mais. As palavras param de doer. Os pensamentos se desembaraçam dos nós górdios das crises. As conversas tensas na memória têm a pausa de um cafezinho.
Nele, você encontra uma janela para respirar fora do próprio julgamento, da própria culpa, da própria mortificação. Entra numa dimensão paralela do tempo, em que é capaz de resolver um impasse e relevar um desentendimento. A existência é vista de cima. Torna-se menos pesada, menos cansativa.
O abraçado reencontra a si mesmo. Ele é capaz de derramar lágrimas nos meus ombros estranhos, como se fossem o colo aquecido de sua mãe. Todos os seus mortos estarão vivos em minha pele viva. Ele chamará para perto um ente querido distante. A intimidade vai e volta. A intimidade é eletricidade.
O abraço é a tomada em que você religa a sua sensibilidade, lhe dá uma carga de energia e retoma o poder de se libertar do passado. Todo mundo fica bonito dentro do amparo dos braços cruzados nas costas. Você se transforma num propósito. Não há propósito feio. No abraço, você se perdoa. Como sempre digo: ele cura, ele salva, ele cicatriza.
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