quarta-feira, 6 de novembro de 2019


06 DE NOVEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

A segunda chance


Segunda Chance é o livro que o doutor Lucchese lançou ontem, na Feira. Gosto do título, e é do que quero falar. Tenho uma modesta e involuntária participação nessa obra.


É que, tempos atrás, o doutor Lucchese ligou, contando que estava em Boston e que queria falar comigo. Fiquei curioso, parecia haver urgência em sua voz. Marquei de nos encontrarmos em um café perto da minha casa. Horas depois, estava diante dele e de um double expresso com canela. O doutor Lucchese, então, contou que, havia anos, debatia-se com a ideia de escrever um livro sobre as pessoas que tinham sobrevivido a doenças graves e retomado suas vidas. Pessoas que aproveitaram sua segunda chance. Por algum motivo, ele desistira do projeto, mas, ao ler o meu livro, Hoje Eu Venci o Câncer, entusiasmou-se de novo e tocou-o adiante.


Fiquei embevecido ao saber que o doutor Lucchese gostara do meu livro e mais ainda com a deferência da visita dele. Achei aquilo importante. E, desde aquele dia, volta e meia pensava no nosso encontro e no que conversamos.


Pensava na segunda chance.


Pois tive eu também a minha segunda chance e, como todos os que sabem usufruir dela, mudei. Sei que sou diferente do que era. Não que meus eventuais erros tivessem me levado à situação de quase morte que enfrentei. Não foi isso. Às vezes, não temos culpa do mal que nos acomete nem mérito no bem que nos bafeja.


Eu, depois da tal situação de quase morte, apenas desbastei minha vida, removi certos penduricalhos e puxadinhos que só atrapalhavam. De certa forma, foi um refinamento, porque, como dizia Leonardo da Vinci, a máxima simplicidade é a máxima sofisticação.


A segunda chance propiciou-me essa evolução. E é esse ponto que me inquieta: por que precisamos da segunda chance para fazer o que, ao fim e ao cabo, é melhor para nós mesmos?


Não deixa de ser uma derrota da racionalidade. Porque nós temos consciência do que é certo e do que é errado, do que faz bem e do que faz mal, nós muitas vezes recebemos advertências da vida, que grita: cuidado! Por que não prestamos atenção a esses sinais? Por que não seguimos o caminho que nos aponta a inteligência?



O Eclesiastes já dizia que temos de nos submeter ao jugo suave da sabedoria, e é exatamente assim que funciona: é a Razão, com erre maiúsculo, que tem de domar os sentidos e domesticar as vontades. O que, de certa maneira, é uma prisão. Mas dentro dela, em paz, você será feliz.


DAVID COIMBRA

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