quinta-feira, 21 de junho de 2018


21 DE JUNHO DE 2018
ENTREVISTA

"Fui burra. Levaram tudo o que tinha"

IDOSA DE 74 ANOS - Vítima de golpe do bilhete na Capital


Em recente segunda-feira, uma idosa de 74 anos caiu em um dos golpes mais antigos que se conhece: o do bilhete premiado. Servidora estadual aposentada, retornava de consulta médica no centro de Porto Alegre quando uma mulher lhe abordou. Pediu ajuda para sacar o prêmio na agência bancária. Alegou ser analfabeta e sequer portar documento. Precisava de testemunhas. Em seguida, uma segunda mulher, bem vestida, apareceu. Disse que também a ajudaria, mas que precisariam confirmar a veracidade do bilhete.

Em rápida ligação, no viva voz, suposto atendente da Caixa confirmou os números sorteados. A partir daí, deu-se início a via-sacra pela Capital que duraria quatro horas. A dita vencedora do prêmio daria às mulheres recompensa, mas precisava de garantia em troca. Enganada, a vítima sacou os R$ 10 mil que tinha na conta corrente em três diferentes agências da Caixa. Ainda entregou o cartão do Banrisul para que comprovassem que o saldo estava zerado - e as estelionatárias fizeram compras que ultrapassaram R$ 2 mil.

De sua casa na Zona Norte, contou a ZH o que passou depois de ler sobre a grande operação no fim de semana que desarticulou quadrilha que atuava a partir de Passo Fundo, no Norte. Quer alertar outras pessoas para evitar que também sejam ludibriadas (leia entrevista ao lado).

Ontem, a Polícia Civil informou que quase R$ 5 milhões em bens foram apreendidos na Operação Pólis, que atacou no sábado rede de estelionatários do golpe do bilhete que tem como base Passo Fundo, e que age em diversas áreas do Brasil. Na segunda-feira, a polícia voltou a cumprir mandados de busca. Foram em revendas de veículos e em despachantes da cidade, que seriam usados para lavar dinheiro dos golpes. Foram apreendidos cinco carros dos investigados.

Como aconteceu o golpe?

Vinha pela Avenida Otávio Rocha de consulta médica para pegar a lotação na Rua Doutor Flores. Eram 11h40min. Uma miserável com papel na mão me abordou para saber onde era a tal de Travessa Santos. Disse que tinha de ir no endereço porque se encontraria com a pessoa que a levaria para receber prêmio e mostrou bilhete dobrado da Quina. De imediato, apareceu uma bonitona e perguntou se eu também podia ajudá-la como testemunha e ir ao banco. Essa mulher pegou o bilhete e ligou para um homem, no viva-voz, que disse que era da Caixa e confirmou os números. Passamos na casa dela, que pegou um pacote e disse que eram dólares. Tudo conversa fiada. Me acharam com cara de trouxa e eu caí.

Como você sacou R$ 10 mil?

Fiquei com elas até as 16h. Foram três saques. Queriam que comprovasse que tinha condições para não lográ-las. A mulher que chegou com o papel se fazia de pobre, miserável. Dizia que precisava de testemunhas para sacar dinheiro. Nem sei dizer como caí. Estava com a intenção de ajudar.

A senhora desconfiou?

Ela daria o bilhete para que tirássemos o dinheiro no banco porque não tinha documento, era analfabeta. Uma pobre coitada. Contou história fantástica e me envolveu. Se disser que por um minuto me dei conta que estava sendo lograda, seria mentira. Só percebi quando passava das 16h. Disseram que estavam indo ao banco, pararam em frente a um boteco de esquina e pediram que pegasse duas águas porque estavam com sede. Ainda pediram que pegasse umas sacolinhas para colocar o dinheiro. Quando voltei, não estavam mais.

Nas quatro horas em que esteve com as golpistas, a senhora chegou a passar em casa?

Sim, e passei um "171" no meu marido. Disse que a médica havia marcado exame e que precisava ir ao hospital. Peguei meus cartões e saí rapidinho porque elas diziam para não contar para ninguém. Meu celular tocava e diziam para não atender, não falar onde estávamos. Iríamos sacar muito dinheiro e era perigoso que alguém nos perseguisse.

O que lhe diziam?

Depois que viram que tinha sacado tudo, disseram que precisava comprovar que não tinha dinheiro na conta do Banrisul. A bonitona estacionou na Doutor Flores, deixou o carro ligado e pediu meu cartão. Dei a senha para ela comprovar que estava zerada. Mas sabe o que ela fez? Fez compras. Mais de R$ 2 mil. Em um momento, recebi mensagem no meu celular avisando sobre compra de R$ 600. Disse "ué, que compra, se não comprei nada". Aí, a miserável pegou meu celular e o meu cartão. Fui tão burra que nem questionei.

A senhora considera que foi enganada pela ganância?

Fiquei com compaixão daquela mulher que precisava de ajuda. Fui no intuito de ajudar.

Em algum momento, acreditou que ganharia dinheiro?

Ela dizia, mas falei várias vezes que só queria ajudar.

Por ser golpe antigo, muita gente sente vergonha de denunciá-lo. Por que decidiu falar?

Me senti envergonhada e deprimida, mas decidi ir na delegacia e falar a respeito. Depois que li (em ZH, na segunda-feira) que mais de 130 pessoas caíram... Para mim, foi um consolo. Fui burra. Levaram tudo o que tinha.

DÉBORA ELY

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