13 DE JUNHO DE 2018
OPINIÃO DA RBS
KIM SOBREVIVERIA SEM A SUA NARRATIVA NUCLEAR? UM ACENO PELA PAZ
Omundo ainda precisa de tempo para verificar na prática se o acordo assinado entre o presidente norte-americano Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un, prevendo a desnuclearização da península coreana, irá além de um lance de relações públicas de cada lado. O fato incontestável é que, desde a declaração conjunta assinada por representantes de dois países historicamente adversários, a ameaça nuclear ficou um pouco mais distante.
Um aspecto positivo da aproximação inédita entre os dois países é que, por um lado, a Coreia do Norte assume o compromisso de uma "completa desnuclearização da península coreana". Os Estados Unidos, em contrapartida, garantem segurança ao regime norte-coreano. A cúpula realizada agora ganha ainda mais relevância por ter sido antecedida, em abril, pelo encontro até então impensável entre os líderes das duas Coreias, que se deram as mãos na fronteira entre os dois países para demonstrar confiança mútua depois de quase 70 anos de conflito.
Ao consentir com o encontro em Singapura, o presidente norte- americano fez uma concessão importante a um regime ditatorial que oprime e retira direitos da população. Com esse gesto, porém, distensiona uma parcela importante da comunidade internacional mantida hoje sob suspense diante de um arsenal em relação ao qual há poucas informações disponíveis. Apenas em 2017, foram registrados pelo menos 10 lançamentos de mísseis, além de um teste nuclear bem-sucedido, com potencial para atemorizar uma parcela expressiva da população global.
Um aspecto a lamentar é que essa mesma disposição de diálogo do presidente da maior potência global com um adversário, em busca de uma saída comum, não se manifeste também com tradicionais aliados dos Estados Unidos nas discussões comerciais. Às vésperas do encontro histórico, o presidente norte-americano se recusou a endossar os resultados de dois dias de discussões entre integrantes do G7. Nessa, área, a Casa Branca ainda demonstra pouca disposição de transigir, o que lança incertezas sobre o futuro imediato das relações multilaterais.
Por isso, é preciso que esse passo inicial avance, transpondo para gestos concretos o "desejo de paz e prosperidade por parte dos povos dos dois países", manifestado no documento assinado entre Estados Unidos e Coreia do Norte. E, ao mesmo tempo, que inspire maior diálogo também entre tradicionais parceiros, facilitando as tão esperadas conquistas em âmbito comercial.
Todo aceno diplomático pode ser vantajoso caso arraste benefícios concretos aos seus acordantes. Existem acenos simbólicos, como o caso de Cuba e o reatamento das relações, ainda no governo Obama. Por outro lado, existem aproximações diplomáticas que envolvem maior cálculo político e estratégico, como a possibilidade de demover o programa nuclear de Kim Jong-un. Ambos exemplos são indicadores bem distintos de duas visões antagônicas da política externa americana.
A questão que devemos levantar, do ponto de vista pragmático, é que o programa nuclear norte-coreano tem sido a pedra de toque de uma narrativa para o próprio regime de Kim, o que de certa forma concede uma unidade ao seu comando. Afinal, sua barganha reside no fato de ser um líder não tão previsível e com posse de armamento nuclear. Se de fato, o caminho será o desarmamento, como pondera o documento assinado entre Trump e Kim, estariam o regime norte-coreano e sua narrativa ameaçados? Por qual motivo o ditador ganharia racionalmente com essa decisão? Talvez o delírio narcísico tenha se manifestado com maior veemência no momento.
Só o tempo dirá sobre a sanidade de Kim. Mas a encruzilhada parece ser fatal: ou desmantelará seu programa nuclear, tornando sua narrativa vazia e ineficiente para unificar seu regime, ou retrocederá nas suas decisões, descreditando-se como líder capaz de empreender negociações diplomáticas, ficando sob o risco de uma intervenção militar externa, que praticamente liquidaria seu regime ditatorial.
Professor de Relações Internacionais cezar.roedel@fsg.edu.br - CEZAR ROEDEL
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