14 DE JUNHO DE 2018
CINEMA
A favela das mulheres no premiado "Baronesa"
Com filmes como Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), o cinema brasileiro se aproximou da favela repleto de filtros fotográficos e outros elementos de mediação responsáveis por uma estetização glamourizante. Com Baronesa (Juliana Antunes, 2017), chega ao ápice uma tendência que, em caminho oposto, registra as periferias com um realismo calcado em fotografia e interpretações naturalistas e, com isso, uma crueza ao mesmo tempo estranha e familiar, impactante justamente pelo modo naturalizado (ordinário) com que examina situações graves (extraordinárias).
Vencedor do Festival de Tiradentes, o filme que estreia hoje acompanha duas mulheres que vivem com suas crianças em uma favela da Grande Belo Horizonte (polo daquele que talvez seja o melhor cinema nacional da atualidade). As atrizes - e também as personagens que elas interpretam - se chamam Andreia Pereira de Sousa e Leidiane Ferreira. Representam um raro ponto de vista feminino nas regiões conflagradas pelo tráfico. Porém, de maneira distanciada do clichê dramatúrgico constituído pelos retratos da vida doméstica à margem da guerra. Andreia e Leidiane são elas próprias soldadas em luta pela sobrevivência - sua e de seus filhos.
Felipe Rangel dos Santos as visita. Flerta com ambas, mas não o suficiente para convencê-las de qualquer coisa - o controle da situação é delas. Não faz sentido, no entanto, pensar apenas em empoderamento, este novo clichê redutor tão acessível a filmes, músicas e encenações mais rasos. Baronesa é tão rico em sua construção que parece modelar de diversos aspectos das relações contemporâneas, da desassistência social à sexualização precoce, da desordem urbanística à ausência dos homens nos lares do país.
E tudo constituído com planos longos e de detalhe, que flagram diálogos com o tempo adequado para depreender essa complexidade e intensificar as imagens que a representam. A câmera fixa observa as mulheres com essa generosidade de tempo, quase reverência. Quando mira as crianças, captura expressões sugestivas de como estas recebem as barbaridades que ouvem. Não há como não se deixar tocar.
O que impressiona particularmente são as atuações das duas protagonistas. Embora essa vertente realista do cinema nacional esteja muito difundida, e a recorrência dos atores e atrizes inexperientes, cada vez maior, não é comum encontrar tamanha profundidade no registro naturalista.
Elas curtem a diversão possível, são responsáveis mas às vezes inconsequentes. E sonham. Uma com a volta do marido da prisão, outra com a mudança para uma favela menos violenta, chamada Baronesa - o que dá ambiguidade ao título do filme, pois "baronesa" também descreve a condição delas próprias. As sequências finais esclarecem o que o nome sugere, contudo, recomenda-se assistir sem atrelar-se a significados redutores. Baronesa é muita coisa ao mesmo tempo. Um dos melhores filmes brasileiros em muitos anos.
daniel.feix@zerohora.com.br - DANIEL FEIX
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