terça-feira, 12 de junho de 2018


12 DE JUNHO DE 2018
CARLOS GERBASE

SOU UM ARTISTA?


Muitas pessoas gostariam de ser artistas, mas poucas conseguem. Esse é o senso comum. Talvez seja mais adequado dizer: muitas pessoas gostariam de ser artistas de verdade, mas poucas conseguem. Com essa variante, fica estabelecida uma diferença, digamos, entre um malabarista do Cirque du Soleil e o sujeito pintado de cinza metálico que gira cones pelo ar durante o sinal vermelho. 

Ou entre Van Gogh e o cara que faz pinturas de cavalos com longas crinas pra vender no brique da Redenção. Umberto Eco costumava dizer que essa oposição é enganadora, porque, entre a alta cultura (Van Gogh) e a baixa cultura (o malabarista da esquina), há uma grande fatia intermediária, uma cultura mediana, que estabelece um diálogo entre o andar de cima e o andar de baixo da produção de arte e, é claro, também do seu consumo.

A ideia de Eco faz sentido, mas não resolve o problema. Eu, que faço cinema há quase 40 anos, e escrevo ficção desde que me conheço por gente, às vezes me pergunto: sou um artista "de verdade"? Estou perto do andar de cima? Ou, pelo menos, em vez de ser um artista totalmente falso, sou do tipo médio, aquele que pode manter o cabelo grande sem parecer ridículo? Minha esposa acha que sim e só corta as pontas. 

Toda noite rezo para não ficar careca. Os críticos já disseram todo tipo de coisas sobre meus filmes, meus livros e minhas letras de música. Não há consenso. E não venham me dizer que prêmios e troféus significam algo mais que um empurrão pra continuar tentando. Ou uma boa maneira de segurar a porta em dias ventosos.

Minha dúvida existencial, porém, foi extinta de uma forma inusitada. Jerry Seinfeld, num episódio da excelente série Café com Seinfeld, afirma: "Qualquer coisa que você faça do nada e que outra pessoa goste é arte". Bom, isso eu faço. Sou um artista! Alguém poderia dizer: "Mas Seinfeld é um comediante. 

Ele não costuma falar a sério. E logo depois começa a ridicularizar um pintor nova-iorquino que ganha muito dinheiro fazendo retratos de coelhos". E eu retrucaria: "É divertido dividir o pódio com malabaristas de esquina pintados de cinza metálico e retratistas de coelhos e cavalos de longas crinas. Obrigado, Jerry. Hoje vou dormir tranquilo".

CARLOS GERBASE

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