18 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA
A opinião e o fato
Por que será que o David Letterman está com aquela barba? É uma barba branca, de profeta, que se derrama queixo abaixo até roçar o peito. Francamente, aquela barba ficou estranha.
David Letterman é o Jô Soares dos Estados Unidos. Ou, por outra, Jô Soares é o David Letterman do Brasil, porque foi o americano, não o brasileiro, que consagrou o programa de entrevistas na TV com sofá, mesa, caneca e banda. Jô Soares copiou em tudo a fórmula que tornou David Letterman uma lenda da TV americana.
Por coincidência, ambos se aposentaram de seus programas de TV mais ou menos ao mesmo tempo. Mas Letterman continua ativo como na época em que tinha o rosto glabro como um legionário romano. Ele agora faz entrevistas especiais para o Netflix e a primeira, lançada dias atrás, foi para mostrar que ele não está ali para brincadeira: o convidado foi Barack Obama.
Durante uma hora, os dois travaram uma conversa fluente e sempre interessante. Confesso que, além da barba, me incomodaram um pouco as excessivas demonstrações de afeto que Letterman fez a Obama, chegando a palmo e meio da fronteira da bajulação.
Respeitar um político? Muitas vezes, sim. Admirá-lo? É possível.
Demonstrar-lhe, eventualmente, até gratidão? Por que não?
Venerá-lo? Jamais.
Políticos lidam com o poder, e a mistura de poder com veneração nunca produz bons resultados. Ao contrário, costuma produzir desgraça e desilusão.
Mas, ainda assim, a entrevista foi ótima. Letterman é craque e Obama tem carisma. Com uma hora de conversa, o jornalista conseguiu dar profundidade ao programa e extrair do ex-presidente mais do que a graça ou a contundência em geral rasteiras de um show feito para a TV.
Um trecho me chamou atenção em especial. É quando Obama cita um antigo senador de Nova York, Daniel Patrick Moynihan, personagem bastante conhecido nos Estados Unidos. Ele gostava de usar uma gravatinha borboleta e era cheio de verve. Certa feita, durante um debate no Senado, um político adversário, tentando encerrar a discussão, disse-lhe o seguinte:
- Bem, senador, o senhor tem a sua opinião. E eu tenho a minha.
Moynihan rebateu assim:
- O senhor tem direito a ter a sua opinião. Mas não tem direito a ter os seus fatos.
Que frase bem ajustada para definir o Brasil de hoje. E, se combinada com os já citados perigos da adoração a políticos, que perfeição. Porque, na verdade, é isso: você pode insistir na sua fé e repetir o quanto quiser a sua opinião. Não adianta. Os fatos não mudarão.
Lula teve relacionamentos promíscuos com empreiteiras: fato.
Um assessor de Temer foi flagrado correndo com uma mala cheia de dinheiro: fato.
Os governos brasileiros estavam organizados para usar a máquina pública em proveito próprio e todos (TODOS) os presidentes tinham conhecimento disso e se valiam disso: fato.
Os fatos estão diante de nós. E, pela primeira vez, estamos fazendo algo a respeito. Se tudo não for apurado, se todos não forem punidos, se o Brasil não mudar agora, não mudará nunca mais. Este é um fato.
DAVID COIMBRA
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