27 DE JANEIRO DE 2018
MARTHA MEDEIROS
O fim da mulher discreta
Diretores de empresas, cineastas, fotógrafos, senadores, deputados, médicos, dentistas, advogados, jornalistas, professores, treinadores, executivos em geral: posso imaginar alguns deles colocando a cabeça no travesseiro à noite e se perguntando quais as chances de, na manhã seguinte, serem despertados por uma denúncia de assédio que porventura tenham cometido anos atrás.
Rastreando a memória, talvez eles encontrem cenas esparsas de um carinho mal-intencionado numa estagiária, de uma proposta constrangedora a uma funcionária recém-contratada, de uma apalpada indevida numa paciente imobilizada, enfim, alguma situação de abuso de poder que tenha caído no esquecimento, mas quem garante? A mulherada lembra de tudo e resolveu soltar o verbo.
Pois é, rapazes, já não se fazem mais garotas discretas como antigamente.
Todas as pessoas, seja homem ou mulher, têm segredos guardados, e não há do que se envergonhar disso, ao contrário, é sinal de vida bem vivida. Ninguém está interessado na biografia de alguém que não tenha nadinha a esconder. Pequenas derrapadas, aventuras secretas, as deliciosas maluquices que ficaram sem testemunhas, quem nunca? Se você tem propagado por aí que sua vida é um livro aberto, não vejo tanta virtude nessa transparência toda, talvez seja um atestado do quão pouco audaciosa você é. Ora, não há quem não tenha, em sua história pessoal, ao menos um parágrafo punk.
E não precisa contar. Guarde pra você, esta é a graça da coisa: saber que ninguém imagina do que você foi capaz.
Completamente diferente é você ter sido vítima de um crime e silenciar a respeito por ser uma dama sofisticada que não se expõe. Sei bem como é difícil abrir o porão da nossa intimidade, já que foi assim que nos educaram: mulher fina é mulher calada. Graças a essa opressão travestida de etiqueta, guardamos traumas que nos infernizaram por anos. E, para piorar, nós mesmas fazíamos bullying umas com as outras: se alguma vinha a público denunciar um chefe ou um parente, éramos as primeiras a julgá-la como escandalosa, chamativa, vulgar.
Isso foi em outro século. Sabe esse boato de que o mundo está mudando? Procede.
Mulher fina pode e deve falar sobre alguma violência a que tenha sido submetida. É bem verdade que ainda há quem não tenha entendido que assédio está relacionado com poder - não só poder hierárquico, mas físico também. Cantada sem contato corporal e sem uma chantagem subentendida não é crime, pode, no máximo, ser uma grosseria, uma chatice, uma inconveniência, então cuidado para não ser injusta.
Mas, se o titio justificou o parentesco para obrigá-la a fazer coisas que você não queria ou se o chefe insinuou que sua carreira não iria adiante se você não fosse boazinha com ele, abra o bico. Com um batom arrasador, claro: uma vez elegante, sempre elegante.
De resto (sobre aquilo que ninguém sabe que você fez ano passado), nem um pio.
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