terça-feira, 9 de janeiro de 2018



07 de setembro de 2017 | N° 18944 
DAVID COIMBRA

Feitiço da Vila

Sete de setembro é uma data importante ? tem Gre-Nal na Vila do IAPI.

Gaiatos protestarão por essa minha primeira frase, e sei por quê: porque chamei o IAPI de vila. Tempos atrás, havia pichações nas paredes cor de creme queimado dos prédios do IAPI, reclamando:

?Vila, não. Bairro!?.

Tinham razão, os protestantes. O IAPI não é apenas o conjunto de prédios idealizado pelo engenheiro Edmundo Gardolinski nos anos 1940. O IAPI é uma vasta região da cidade que apanha toda a Plínio Brasil Milano da Carlos Gomes para baixo, até os fundos da Sertório. A antiga Bi-Joia e o Hospital Lazarotto ficavam na Volta do Guerino, sim, só que a Volta do Guerino está dentro do IAPI, submetida a ele. O Estádio do Zequinha é do Passo DAreia Decerto que sim, mas o Passo D?Areia também está dentro do IAPI, apesar do que afirmam os mapas da cidade.

Minha irmã e minha mãe sempre reclamavam, quando eu falava que morava no IAPI.

IAPI, não: Passo D?Areia! corrigiam elas.

Achavam que ser do Passo D?Areia era ser fino. Por favor! Ser do IAPI é muito mais bacana. O IAPI é o primeiro condomínio da América Latina e, se você for lá hoje, para assistir ao Gre-Nal, verá que continua sendo um condomínio. É igualzinho a esses condomínios fechados, com uma única diferença: é aberto.

Vá lá hoje, insisto. O Gre-Nal começa às 11h, no maior campo de várzea do Rio Grande do Sul, o Alim Pedro, onde o degas aqui dava lançamentos de 60 metros, no melhor estilo RR: Roberto Rivellino.

Contam que o maior craque que já calçou botina no Alim Pedro foi o Sérgio Kaminski, do São Paulinho. Não sei. Não vi o Kaminski jogar, mas conheço a lenda. Esse time dele foi histórico, ganhou o campeonato metropolitano e enfrentava os juniores de Grêmio e Inter de igual para igual.

Mas o que queria dizer é que, se você for ao IAPI hoje, verá uma comunidade viva, que usufrui a sombra das árvores, a pista de areia em torno do campo, as encostas do morro, as calçadas. Vá e veja, em frente ao Alim Pedro, a Biblioteca Pública Romano Reif. Li todos os livros dessa biblioteca, quando era guri.

Nesta mesma avenida eram realizados desfiles de blocos e escolas de samba durante o Carnaval. O locutor apregoava pelos alto-falantes afixados nos postes:

? Carnaval é aqui! É na Vila

do IAPI! Eu pensava: vila, não: bairro!

Seguindo à direita, você encontrará a casa em que morou Elis Regina. À esquerda, passando pela Amovi com sua cancha de areia e cimento, onde o nosso time de salão derrotou a seleção do CLJ da Igreja Nossa Senhora de Fátima, há uma escadaria famosa por homiziar jovens que precisavam de privacidade a fim de fazer coisa errada. Lá, a Alice e a Ariadne faziam coisa errada: escondiam um maço de cigarros num buraco entre os degraus. Às vezes me chamavam para vê-las fumar. Era lindo. Dava uma emoção assistir àquelas duas beldades com um cigarro entre o indicador e o dedo médio, soprando a fumaça para cima e me perguntando, com ar de rebeldia superior:

? Quer experimentar, David?

Nunca aceitei ? medo de pegar câncer.

Mais acima, continuando à esquerda, tem o Bar do Comum, que é chamado assim porque... bem, é um bar comum. Mas nem tanto. Nos sábados à tarde, o Comum torna-se sede de uma roda de samba que precisa ser conhecida pelo Maurício Saraiva. Aí ele vai conhecer o que é o samba de raiz em uma vila de raiz. Vá à vila hoje, Maurício. Represente-me. Vá você também, leitor de outros bairros menos afortunados. Vá ver o Grenalzinho e sentir a vida bucólica do subúrbio, ouvir o canto dos passarinhos e encontrar a gente que mora na mais bela vila de Porto Alegre.

Ah. Vila, não: bairro.

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