13 DE JANEIRO DE 2018
J.J. CAMARGO
A SAUDADE E A REDE SOCIAL
"Com o tempo não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros" (Mario Quintana)
Estávamos acomodados no nosso canto, quando o guardião da saudade foi despertado de um sono de décadas e começaram a pipocar mensagens de carinho entre pessoas que, tendo estado confortavelmente incomunicáveis, cuidando de filhos, netos e amores permanentes durante um longo tempo, nunca se deram conta de que tinham represado um estoque do bem querer mais genuíno.
E, então, aconteceu de alguém criar um grupo de WhatsApp, e isso promoveu o milagre de nos sentirmos emocionalmente ressuscitados. Lendo as dezenas de mensagens carinhosas, e lembrando deles todos e do quanto o convívio remoto tinha sido fraterno e generoso, foi inevitável sentir no meio do peito aquele leve aperto que define nostalgia e que revela o quanto de afeto foi desperdiçado pela inevitável diversidade de caminhos traçados pela vida, quando cada um, lá atrás, teve de fazer suas escolhas.
E, para ser sincero, não sei de ninguém que, naquele momento crucial, tenha priorizado se manter perto dos colegas da faculdade, abdicando das melhores oportunidades por estarem demasiado distantes. E se ninguém pensou nisso há 47 anos, não há por que se recriminar agora nem se sentir menos amoroso por isso, mas esta racionalização não dissipou a sensação de perda.
É certo que a proximidade e, claro, uma indispensável dose de empatia, manteve coesa uma pequena parcela da turma que tem se encontrado religiosamente, com uma assiduidade sem equivalência entre as outras turmas da UFRGS. E as reuniões desse time, cronicamente fraterno, têm a espontaneidade e a doçura de quem não precisa relembrar histórias ameaçadas pelo esquecimento de uma das partes. Tudo flui com a naturalidade de quem terá de recapitular, no máximo, o acontecido no último semestre.
De qualquer maneira, a criação desse grupo virtual despertou tantos sentimentos, comedidos uns e exagerados outros, que confirmou um comportamento que se repete nas redes sociais e que estamos recém assimilando, dada a novidade desta forma de aproximação instantânea pelo mundo virtual.
Depois de um boom inicial, com vários se apresentando numa espécie de prestação de contas para, no mínimo, afirmarem que estavam vivos, houve, como era de se prever, a contagem dos mortos para estabelecer o tamanho do que alguém, muito bem-humorado, chamou de ATM celestial, com direito a festejos discretos quando se confirmou que ela ainda é (toc, toc) menor do que a terrena. E cada morte, recém descoberta ou recapitulada, ficou latejando como se tivesse sido ontem. Essas coisas de quem amou e perdeu.
Claro que com uma turma gigante e um país continental houve alguns ruídos de comunicação, com dificuldade de localização de uns e até notícias falsas da morte de outros, sem contar o achado de uns tipos considerados anacrônicos, porque (dá pra acreditar?) ainda não têm WhatsApp! Sempre tive dificuldade de retomar presencialmente relacionamentos interrompidos por 30 ou 40 anos, porque descobri, por experiências sofridas que, depois de cinco minutos de entusiasmo saudosista, nos sentimos estranhos com resíduos de intimidade insuficientes para uma conversa fluente e nos flagramos com uma vontade bilateral de sair correndo.
É evidente que o biombo virtual nos poupa deste constrangimento, mas também com ele ocorrem oscilações anímicas, com períodos alternados do melhor humor e essas tristezas que o destino programa sem direito de seleção. Alguém escreveu que a maioria ainda trabalha, mas a julgar pela quantidade e insistência nas mensagens, foi possível identificar uma razoável parcela de aposentados.
Quando o ritmo frenético das mensagens começava a reduzir, um novato era resgatado no túnel do tempo e assumia um protagonismo temporário, não sem antes reclamar de ter sido convocado com atraso. Passados alguns dias, já entramos na fase dos netos, o que assegura um longo tempo de intercâmbio até que todos tenham a chance de mostrar as fotos sorridentes e as maravilhas da sua prole.
Como experiência emocional, esta forma nova de aconchego de colegas que se quiseram tanto durante a faculdade que o tempo não foi capaz de borrar-lhes o afeto reprimido foi tão rica, que vários assumiram que essa reaproximação representou o que de melhor lhes aconteceu no ano que terminou.
Espichando o ouvido, escutei alguns resmungos, previsíveis e inevitáveis, para os quais o WhatsApp oferece um recurso que, quem dera, dispuséssemos em todos os relacionamentos pela vida afora. Um clique, com as palavras mágicas: sair do grupo.
No final, sobrarão os que, lá no passado, riram e choraram das mesmas coisas. E não importará quantos sejam, por eles já terá valido a pena.
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