07 de setembro de 2017 | N° 18944
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno
Desemalando dinheiro
NÃO É FÁCIL distinguir as palavras novas das antigas. Faça o teste proposto e se surpreenda
Professor, um amigo meu usou o verbo bocaberteou (de boca-aberta) para dizer que o irmão tinha sido descuidado com o celular, que terminou sendo roubado no ônibus. Isso é um neologismo, não é? A gente pode inventar palavras para nossa língua? Essa até que eu achei legal pergunta Celso B., estudante de Rio Grande. Pois eu também, Celso; essas brincadeiras feitas com nossa língua são papa-fina para mim, um adicto incorrigível do prazer que as palavras produzem mas tenho de informar que essas preciosas criações dificilmente vão fazer parte ativa de nosso léxico.
São formações momentâneas, expressivas, adequadas a uma situação muito específica, mas que chamam demasiada atenção por sua novidade e estranheza e não atingem a frequência de uso das palavras comuns. Mário de Andrade, por exemplo, brinca maliciosamente com isso: a musa sentiu-se farta, bifarta, centifarta, multifarta estrambólicas, sonambúlicas e não-me-amólicas;
o poeta fogo-de-artificiou o Centenário Independentriz e Brasilial; entusiasmo pela luso-poetice guerrajunqueiriz e juliodantal (de Guerra Junqueiro e Júlio Dantas) tudo isso para falar da obra de um poeta que devemos, pois, vaiar, fiaufiauizar, batatizar, ovopodrizar... Servem para o momento, mas não vingam. Outro Mário, o nosso Quintana, não hesitou em escrever Um dia, os padres se desbatinaram um exemplo mais sutil, de maior finura, mas que também morreu ali mesmo.
E já que estamos falando de neologismo, aproveito para mandar um recado, por via indireta, para aqueles que ainda empregam esse termo: de uma vez por todas, deixem de lado esse vocábulo, tão inútil, inexato e anticientífico. Já lembrei diversas vezes nesta coluna que este conceito sempre se afoga nas águas profundas do rio do tempo.
Como o novo de hoje sempre será o velho de amanhã, o rótulo de novo que dou a um vocábulo não terá valor algum para as próximas gerações, a não ser que haja uma contextualização histórica: na primeira metade do séc. 19, quando Dom Pedrinho II começava seu longo reinado no Brasil, o termo cientista acabava de ser criado na Inglaterra; quando chegamos à República em 1889, o vocábulo apendicite era tido como raro e novo; em 1905, The Spectator ainda pedia desculpas aos leitores pelo uso da palavra intelectual, alegando ser um neologismo consciente.
Para demonstrar o quão precária pode ser a nossa avaliação do que é antigo e do que é recente no idioma, proponho (velho vezo de professor!) um pequeno teste para o amigo. Em cada frase há uma palavra em destaque; assinale as que você colocaria no balaio dos neologismos: (1) A PF pediu a ajuda de um banco para desemalar e contar os milhões encontrados no imóvel de Geddel; (2) ?Era muito desengraçado quando menino, mas tornou-se homem atraente; (3) ?Em vez de ajudar, a opinião dos pais pode desajudar a noiva; (4)
O camponês desnarigado por um golpe de facão sofreu cirurgia reparativa; (5) O laboratório descontinuou a produção do medicamento sem nenhuma justificativa. E aí, leitor, quer saber quantas acertou. É muito simples: tantas marcou, tantos erros cometeu. São todas elas palavras velhas, mas bem velhinhas mesmo, que já constavam no empoeirado Bluteau, nosso primeiro grande dicionário, publicado em 1728 ? um pouco antes da fundação da cidade de Rio Grande e do início ocupação portuguesa do território gaúcho. Como dá para ver, as aparências enganam.
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