domingo, 3 de abril de 2011


FERREIRA GULLAR

Em terras de Macunaíma

Só no Brasil um político de projeção nacional, prefeito de São Paulo, cria um partido por oportunismo

COMO TODOS sabem, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, eleito pelo DEM, decidiu de uma hora para outra fundar um novo partido que apoiará o governo de Dilma Rousseff, do PT, inimigo figadal dos democratas.

Kassab ganhou expressão na vida política de São Paulo graças a José Serra, do PSDB, o adversário político número 1 do PT. Como se vê, a nova performance do prefeito paulistano, aparentemente, não guarda nenhuma coerência com coisa alguma que o eleitorado pensava que ele fosse.

Não obstante, tudo isso está sendo feito como a coisa mais natural do mundo. Por que ele está deixando seu partido, ninguém sabe, mas o fato de criar um outro partido para si tem explicação: ele, assim, não perderá o mandato que, conforme decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), não pertence ao eleito, mas ao partido.

E você, como eu, perguntará: se o mandato pertence ao partido, Kassab, pela lógica, ao deixá-lo, perderia o mandato, não? Isso é o que você pensa! O mesmo STF, que decidiu que pertencem aos partidos os mandatos de seus integrantes, admite que, se o eleito deixar o partido para fundar outro, não o perde.

Diante disso, Kassab decidiu fundar um novo partido e seu mandato está salvo. Simples assim.

Eu não sou ninguém para questionar uma decisão do STF. Não obstante, data vênia, não consigo calar minha perplexidade: se o mandato é do partido, significa que o eleitor, ao votar em Kassab, o fez por ser ele do DEM, isto é, de determinado partido.

Mas, se ao deixar o DEM, para fundar outro partido, levará o mandato consigo, então o mandato é dele, Kassab? Ou levará o que não lhe pertence? Nesse caso, para não dizer que é roubo, digamos que seja apropriação indébita. Mas com o aval do Supremo? Devo estar equivocado, não pode ser considerado roubo o que se faz dentro da lei. Seria, na pior das hipóteses, um roubo legal (nos dois sentidos).

Uma coisa temos que admitir: o Brasil é único no mundo. Só mesmo em terras de Macunaíma, um político de projeção nacional, prefeito da maior cidade do país, resolve criar um partido apenas para aproveitar a brecha que a Justiça lhe oferece, ou seja, por puro oportunismo político. Esperteza feita às claras, como se criar um partido fosse a mesma coisa que trocar de camisa.

E vai ver que é. Eu é que estou fora de moda, sem ter ainda me dado conta de que partido político não tem nada a ver com sonho de como deveria ser a sociedade, mobilização da opinião pública para promover mudanças importantes que venham torná-la melhor e mais justa.

Nada disso. Estou por fora. Não é à toa que, no Brasil, há dezenas de partidos, sem conteúdo ideológico, sem nenhum programa ou projeto que justifique sua existência.

Partido político, hoje em dia, existe apenas para cumprir uma exigência da lei eleitoral. Como a maioria deles não tem eleitores, sobrevive como siglas de aluguel, juntando-se a outros partidos, em coligações que são mais um modo de enganar o eleitor desavisado.

Mas não vamos jogar tudo nas costas do Kassab. O partido que ele pretende fundar tem a mesma sigla -PSD- de um dos partidos que Vargas criou, nos anos 1940, para dar aparência democrática ao Estado Novo; o outro foi o PTB.

Aquele era o partido dos patrões; esse, o dos trabalhadores. As duas classes fundamentais da sociedade estavam neles representadas, harmoniosamente, sem luta de classes, como convinha ao regime.
Os generais de 64 fizeram coisa parecida, criando a Arena, governista, e o MDB, oposicionista.

Tudo bem comportado, claro, para não atrapalhar o sonho do Brasil grande. Mas eis que jovens políticos, que sonhavam com uma sociedade melhor, fundaram dois partidos de verdade: o PT, que reunia a esquerda radical, e o PSDB, de linha social-democrata. Essas foram as duas forças que, findo o regime militar, passaram a disputar o poder.

Em 1994, o PSDB chegou à Presidência com FHC e, em 2002, o PT venceu as eleições com Lula, apropriando-se do programa do adversário e imprimindo-lhe um cunho tipicamente populista. Cumpriram seu papel e se esvaziaram. Chegou a vez dos Kassab e companhia.

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