sábado, 2 de abril de 2011



03 de abril de 2011 | N° 16659
DAVID COIMBRA


180 mil múmias de gatos

Em 1888, um agricultor fez uma descoberta espantosa, enquanto trabalhava em suas terras no interior do Egito: sob o solo seco, havia uma múmia de gato. E ali ao lado mais uma. E outra. E outra. E mais outra. E ainda outra. Na verdade, o homem estava pisando em um vasto cemitério de gatos. Centenas de milhares de bichanos, devidamente embalsamados e mumificados, como um Ramsés.

Alguém pode achar estranho que os egípcios perdessem tempo mumificando gatos, mas eles os tinham (aos gatos) em alta conta. Eram seus bichos de estimação preferidos, embora também apreciassem os cães e outros animais menos domésticos, como pequenos crocodilos e íbis, que, além de ser o pior time do mundo, é um pássaro pernalta que vive no Nilo e, segundo Heródoto, “alimenta-se de serpentes”.

Eu mesmo vi múmias de gatos e crocodilos nas estantes do Museu Britânico. Os egípcios os mumificavam por acreditar que seus animais de estimação os acompanhariam na vida após a morte. Ou seja: os mumificavam para que se tornassem eternos.

Essas múmias que o tal fazendeiro descobriu em seu campo eram tantas que as crianças do lugarejo as colhiam da terra e as vendiam por qualquer meio pila aos turistas ocidentais. Assim, havia famílias europeias que colocavam na mesinha de centro da sala, ao lado do vaso com flores de plástico, múmias de gato egípcias com cinco mil anos de idade.

Mas os britânicos descobriram outro uso para as múmias: eles as moíam e espalhavam os farelos nos jardins de suas residências, para servir de fertilizante. Uma única carga de um transatlântico levou 180 mil múmias de gatos para o Reino Unido, o equivalente a 17 toneladas. Quer dizer: o que era sagrado para um povo, transformou-se em nada mais do que esterco para outro.

Parece sacrilégio, e é, mas o fato é que os europeus nunca deram a menor importância para o que se passa por aqui, no além-mar. Sua cultura colonialista lhes diz para chegar, pegar o que desejam e voltar para casa. Lá, eles darão o destino que bem entenderem ao que era tão caro no local de que foi tomado.

Comportamento idêntico eles têm com os jogadores sul-americanos. O que Grêmio, Inter, Cruzeiro, Vasco e Palmeiras representam para os europeus? O mesmo que representavam os traficantes de escravos da África e os vendedores de múmias do Egito: são fornecedores de mercadoria barata. A Fifa defende os clubes europeus, o futebol do mundo está estruturado em torno dos interesses deles.

Por isso, qualquer mudança na Lei Pelé, se for para proteger os clubes brasileiros, é bem-vinda. Chega uma hora que até as múmias têm de reagir.

Visita ao calabouço

Recebi uma carta, nessa sexta-feira. Carta mesmo, escrita à mão, selada e sobrescritada. O remetente pediu para não se identificar, porque muita gente não sabe de seu passado. Contou uma história sobre seu Rudi Armin Petry que preciso compartilhar:

“A crônica “Um homem de bem” transportou-me no túnel do tempo. Meados dos anos 70, enquadrado na Lei de Segurança Nacional, fui trancafiado numa masmorra medieval. Solitário e saudoso do clube do coração, resolvi escrever ao dirigente Rudi Armin Petry. Implorei por um radinho de pilha. Dias depois ele pessoalmente foi me visitar no calabouço, com o radinho em mãos. Na solidão do cárcere, eu amenizava o meu sofrimento ouvindo os jogos do Grêmio.

Mais tarde, beneficiado pela Lei da Anistia, fui procurá-lo para que intermediasse minha reintegração ao quadro social do clube. Ele não só advogou ao meu favor como me deu o título patrimonial quitado em mãos. Quando lhe perguntei como poderia pagar, ele respondeu:

– Isso é assunto de economia interna.

Aí está um exemplo de ser humano. Toda vez que o encontrava nas sociais do Olímpico, parodiava aquela passagem bíblica:

– Estive no calabouço e foste visitar-me.

Ele respondia com sua humildade habitual:

– O que importa é a nossa paixão pelo Grêmio.”

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