sábado, 2 de abril de 2011



02 de abril de 2011 | N° 16658
CLÁUDIA LAITANO


A felicidade dos outros

Tem gente que tem medo de palhaço (coulrofobia). Tem gente que tem medo de balão (globofobia). Eu tenho medo de festa à fantasia (podemos chamar de “micofobia”).

Festa à fantasia não é Carnaval. Festa à fantasia é o simulacro do Carnaval – a tentativa de reproduzir em cativeiro, mediante intimação, a espontaneidade e o despojamento da folia sem traje compulsório. No Carnaval, a gente põe um algodão na cabeça, diz que é cotonete e não se fala mais no assunto.

Já na festa à fantasia não basta o sujeito se dispor a vestir um figurino esquisito e, em alguns casos, eliminar completamente qualquer possibilidade de interação com o sexo oposto (imaginem o sucesso com as mulheres de um sujeito fantasiado de Bob Esponja ou, sei lá, Jair Bolsonaro). É preciso ser criativo, gastar tempo, dinheiro e tutano bolando a produção em cada detalhe – inclusive os subjetivos.

Porque a escolha da fantasia nunca é encarada como uma opção inocente, entre as tantas possíveis, do figurino divertido ou moderadamente ridículo que estava disponível no momento. O fantasiado induz o observador a associar o costume escolhido a alguma espécie de revelação psicológica profunda. Como se determinado traço de caráter ou fantasia erótica secreta apenas estivesse esperando a oportunidade adequada – uma reunião de pessoas superconscientes da própria aparência e possivelmente embriagadas, por exemplo – para manifestar-se em público. E salve-se quem puder dos diabinhos e das camareiras sacanas.

Diante das fotos do casamento à moda Shrek, minha primeira reação foi de alívio. Se eu fosse amiga ou parente dos noivos, seria obrigada a optar entre respeitar minha estimada fobia a situações constrangedoras, que tanto me ajudou até hoje, ou recusar o convite – o que seria uma deselegância ainda mais penosa do que vestir traje de princesa.

Enfrentar a cerimônia na igreja, a festa à fantasia e depois as fotos nos jornais deve ter sido difícil para boa parte dos convidados – micofóbicos, como eu, ou tímidos por natureza. A maioria, imagino, deve ter se divertido. Inclusive, espero, os noivos.

Para quem está de fora, porém, nem sempre é tão simples observar a diversão do próximo. Diante da dor dos outros, podemos ficar frios ou indiferentes, mas há algo dentro das pessoas normais que reconhece e dignifica o sofrimento alheio, mesmo em situações que não nos são familiares.

Já a felicidade extraída de prazeres diferentes daqueles que reconhecemos (o nosso tipo de festa, o nosso tipo de música, o nosso tipo de amigos) sempre desperta uma certa hostilidade – consciente ou não. Como assim axé? Como assim sertanejo?

Como assim casar em uma festa à fantasia? Com que direito? Com o direito, digo eu, de quem tem todo o direito de tentar ser feliz do jeito que lhe der na telha, desde que não prejudique ninguém. Porque essa é a própria essência da democracia.

Mais de 14 mil casais já se uniram legalmente em Amsterdã desde abril de 2001, quando a Holanda tornou-se o primeiro país a legalizar a união entre pessoas do mesmo sexo – data comemorada ontem com o prefeito da cidade servindo de juiz de paz no casamento de dois homens. Desde 2001, outros nove países seguiram o exemplo: Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal, Islândia e Argentina.

Bolsonaro pode ficar verde de raiva se quiser, mas o Brasil vai chegar lá também.

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