quinta-feira, 1 de julho de 2010



01 de julho de 2010 | N° 16383
PAULO SANT’ANA


Crise de abstinência

Interessante, vários conhecidos meus vieram me dizer ontem que estavam chateadíssimos com o fato de que ontem e hoje não há jogos pela Copa do Mundo.

Já tinham se acostumado a ver pela televisão dois jogos por dia. Ontem e hoje não há nenhum.

Nunca pensei que fosse ocorrer isso, pessoas achando falta de transmissões de jogos pela televisão, que estranho fenômeno de condicionamento este!

Cheguei a imaginar o contrário: que as pessoas já estivessem se saturando com a enxurrada de transmissões de jogos de futebol pela televisão.

Mas não ouvi nenhuma reclamação de excesso dos jogos, ao inverso, as pessoas estão achando monótonos os dois dias de pausa da Copa do Mundo. Vá entender-se a natureza humana!

É o segundo fato que na minha experiência pessoal comprova que a audiência da Copa do Mundo em televisão é maciça.

O primeiro já narrei aqui: fiz a experiência de sair de casa durante o primeiro tempo de Brasil x Chile, com a intenção de assistir ao segundo tempo no prédio de Zero Hora e de aferir a voltagem do trânsito nas ruas durante a realização dos jogos do Brasil.

Durante o trajeto de 20 minutos de minha casa até aqui a Redação, raro era o carro que eu via transitando, as ruas estavam plácidas, parecia que só quem tinha um problema urgente é que trafegava.

Mas parecia também que a todos interessava a transmissão do jogo.

Se as pessoas se dividem entre as que se interessam por futebol e as que não se interessam, passo agora a observar que até mesmo as que não se interessam se ligam no entanto nos jogos da Copa do Mundo.

A Copa do Mundo é realmente um evento universal que transcende o aspecto futebolístico.

É um evento sociológico.

Tem tanta importância uma Copa do Mundo, que os parlamentos praticamente cessam suas atividades durante sua realização.

As notícias normais, mesmo as de alto interesse, se não são ligadas ao futebol, assumem pouca importância. O assassinato daquela professora ocorrido dias atrás, no Bairro Jardim Leopoldina, é um exemplo, não teve tanta repercussão porque concorreu com a Copa do Mundo.

As redes de televisão mais importantes centralizam seus noticiários na Copa do Mundo. As inundações em Alagoas e Pernambuco, que atingiram milhares de pessoas, matando dezenas e deixando centenas de desaparecidos, ficam esmaecidas, empalidecidas pelo estrépito da Copa do Mundo.

Que fenômeno é este que arrasta para a África do Sul o ex-presidente Bill Clinton e o cantor Mick Jagger, vistos pela televisão em meio aos jogos? Além de vários presidentes de países e importantes líderes e personalidades internacionais que prometem ir ver ao vivo os jogos semifinais e final?

E, se há esta crise de abstinência de ontem e hoje pela não realização de partidas, imaginem o que acontecerá após a Copa, quando entrarão em campo os jogos menores de campeonatos então considerados desimportantes.

A crise da queda do sabor.

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