quinta-feira, 1 de julho de 2010



01 de julho de 2010 | N° 16383
DAVID COIMBRA


Joanesburgo, francamente!

Eu sou um cara que merece a primeira classe. Sim, senhor. Deve ser isso que o funcionário da companhia aérea pensou ontem de manhã, lá no aeroporto de Joburg, quando olhou bem para mim e disse:

– Vou lhe fazer um upgrade, sir.

Achei muito justo. Afinal, sofri muito em Joanesburgo durante este mês de junho que, felizmente, já classifico como priscas eras.

Joanesburgo.

Francamente.

Só tenciono pôr meus pés outra vez em Joanesburgo na final, no dia 11, e para embarcar de volta para o Brasil. Depois disso, nunca mais. Imagine que esta é uma cidade sem bares. Sem bares, cara! Digo bares como nós conhecemos, abertos, mesinha na rua e talicoisa.

Você tem que saber se movimentar em Joanesburgo para ir ao local certo, e movimentar-se em Joanesburgo é muito complicado, o serviço de táxis é péssimo e praticamente não existe transporte público. Para andar com segurança pela cidade, só com carro próprio, e eu não pretendia comprar carro na África.

Tem mais: Joanesburgo se encarapita numa montanha. Está a quase 1,8 mil metros acima do nível do mar. Assim, a cidade é fria e seca. A umidade relativa do ar é de 20%, em média, nesta época do ano. Saudade das paredes pingando do inverno porto-alegrense.

À noite, podia sentir o ar seco rasgando as mucosas do meu nariz. Acordava todos os dias com o nariz sangrando. Como, infelizmente, sou forçado a respirar, fazia-o pela boca. Resultado: minha garganta inflamou, fiquei maus, com febre, corpo dolorido, banzo, tosse, todas essas coisas. Por quê?

Por causa de Joanesburgo!

Não voltarei a esse lugar, senão para a final e para partir.

Portanto, o funcionário do aeroporto estava tão somente fazendo uma pequena compensação por tudo o que a cidade me fez passar. Embarquei na aeronave da British Airways já me sentindo melhor. Instalei-me na confortável poltrona da primeira classe, e um comissário de bordo surgiu de algum canto de metal do avião com uma taça de champanhe na mão. Em seu peito estava pendurada uma plaqueta de metal na qual alguém escreveu: “Brandon”. Olhei para ele. Tinha mesmo a maior cara de Brandon. Era gordinho, carequinha, branquinho, todo redondinho. Tinha olhos claros e uma voz macia. Foi com ela que me ofereceu:

– Champanhe, senhor?

Suspirei:

– Sim, Brandon, é disso que estou precisando neste momento: de uma boa taça de champanhe.

Fiquei sorvendo goles de champanhe e pensando na existência e nos males do mundo. Brandon continuou me servindo durante todo o voo. Trouxe-me rosbife para o almoço. Bom rapaz, aquele Brandon.

Ao chegarmos a Port Elizabeth, só ótimas notícias: a cidade tem belas praias, é banhada pelas águas geladas do Índico, e a umidade relativa do ar chega a 60%. Os surfistas dizem que as ondas de PE, como eles chamam Port Elizabeth, são perfeitas como os lábios entreabertos de Charlize Theron .

Essa região é a terra onde nasceu Nelson Mandela, a terra dos xhosas. Por aqui há parques cheios de leões, elefantes e búfalos, e... há bares! Iria a algum, para contar a vocês como é, se ainda não estivesse com essa maldita gripe. Culpa de Joanesburgo! Que ideia essa da Seleção de passar um mês em Joanesburgo.

Ela voltou

Zé Alberto Andrade me liga de Joanesburgo avisando:

– Ela chegou!

Não precisou dizer o nome. Referia-se, claro, a Ines Sainz, a repórter de TV mexicana que faz trepidar os ambientes da Copa do Mundo.

Zé Alberto tirou fotos para comprovar.

Ficamos aliviados. Na terça-feira, os mexicanos mandaram UM HOMEM para fazer reportagem na Seleção. Era decadência demais, até para uma seleção sem imaginação.

Agora o Brasil precisa de goleiro

O Brasil nunca precisou de goleiro. De zagueiro, só um pouco.

Depender da defesa, na verdade, sempre foi uma vergonha para o futebol brasileiro. O Brasil tinha Clodoaldo, Carlos Alberto, Gérson, Rivellino, Pelé, Tostão, Jairzinho. Para que mais?

Atrás?

Um meio-campista improvisado, Piazza, um zagueiro tosco, Britto, um lateral sério, Everaldo.

Goleiro?

Podia ser qualquer um. Bota o Félix mesmo, que tem nome de gato.

O Brasil não formava goleiros. Nem zagueiros. Vez em quando saía um Luisão Pereira, caso contrário os beques eram becões rebatedores, grandalhões com cara de mau, tipo Miguel & Moisés, do Vasco.

Agora, tudo mudou.

O futebol brasileiro é outro. A prova é que o ponto alto da Seleção Brasileira, a peça do time em que a equipe se sustenta, é a defesa. Os melhores do time formam os vértices do triângulo defensivo, Julio César, Lúcio e Juan. Aquele que deveria ser a estrela do time, Kaká, perto de Ronaldinho é um meia do time dos entregadores de gás. E Robinho e Luís Fabiano estão a um Oceano Índico de distância de um Romário, de um Bebeto, de um Rivaldo, de um Ronaldo.

Na Copa da África, o futebol pragmático do Brasil é o inimigo do futebol-arte.

Com quem está a bandeira do futebol-arte?

Com a Argentina.

Fala-se da Argentina o que se falava do Brasil outrora: que a defesa é fraca, mas o ataque é coruscante. Que Messi, Tevez, Higuaín, Di María e até o reserva Milito são tudo o que a Argentina precisa para vencer. Que a defesa é dispensável, e do goleiro não se sabe nem o nome.

O grande Johann Cruyff disse que o Brasil deveria se envergonhar dessa Seleção tacanha. Dunga diz exatamente o contrário. Diz que, para ele, o bonito é vencer. Um futebol prático, portanto. Futebol de balancete. Futebol para dar lucro. É bom? É ruim? Não sei. Só sei que é diferente. É um outro futebol brasileiro, é um tipo de Seleção que jamais o Brasil teve igual.

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