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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
04 de fevereiro de 2009
N° 15869 - PAULO SANT’ANA
Uma questão médica
Desculpem, mas estamos diante de uma questão médica importante para o nosso meio. Recebo do Dr. José J. Camargo, diretor médico do Centro de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia, uma visão aprofundada do atendimento por convênios no Hospital de Clínicas. O autor não pertence ao corpo médico do HCPA.
A decisão sobre esta questão deverá caber à Justiça Federal. Mas considero fundamental o debate, pelo que, se houver opinião favorável ao fim do atendimento pelos convênios no Hospital de Clínicas, terei prazer em publicar.
Ei-la: “Qualquer relação dos 10 melhores hospitais do mundo incluirá pelo menos sete hospitais americanos. Um apressado dirá: ‘E daí, se a medicina ficou tão cara, qual a surpresa que os melhores hospitais estejam no país mais rico?’.
A surpresa é que 20 entre os 20 melhores hospitais americanos são hospitais universitários. E isso, vamos convir, é uma enorme diferença para a nossa ideia terceiro-mundista de hospital-escola!
A implantação desse modelo foi fundamentada no conceito de que um grande hospital se mede pelo tamanho das cabeças médicas que ele alberga e que, sem elas, toda a tecnologia, deslumbrante, é no entanto incapaz de pensar, não tem a menor utilidade.
O passo seguinte – previsível – foi reter ao máximo esses cérebros privilegiados, para que o hospital e seus pacientes se beneficiassem deles em tempo integral.
Como o salário de professor universitário não é sedutor em lugar nenhum do mundo (e em alguns lugares que frequento ele é francamente humilhante!), a saída mais óbvia foi criar condições para que esses mestres pudessem atender os seus pacientes privados no próprio hospital.
A partir dessa concepção, os melhores hospitais americanos são os grandes e luxuosos hospitais universitários, onde se fazem ensino e pesquisa e se presta assistência médica da melhor qualidade à população em geral.
Na maioria dos hospitais universitários brasileiros, a administração é pré-falimentar, os professores atendem em condições precárias em regime de meio turno e à tarde vão aos seus consultórios e clínicas privadas em busca da sobrevivência. Não seria racional propor que justamente os mais preparados profissionalmente devessem subsistir com salários aviltantes.
A Santa Casa de Porto Alegre, a partir da década de 80, percebeu que o inegável prestígio do seu grupo médico atraía os pacientes economicamente diferenciados, que posteriormente eram internados em hospitais privados, com melhores condições hoteleiras.
Um grande passo para a recuperação econômica da instituição, que várias vezes esteve ameaçada de fechar por insolvência, foi o investimento em unidades de internação para que seus profissionais pudessem trabalhar lá e só lá, em tempo integral.
Hoje, a Santa Casa tem cerca de 35% dos leitos ocupados por pacientes privados e conveniados, o que tem permitido que ela continue cumprindo a sua misericórdia, oferecendo aos pacientes mais pobres, que só contam com o SUS, um atendimento com uma qualificação tecnológica muitas vezes negada pelos convênios mais pobres.
Quando se vê na mídia a exigência do Ministério Público para que o Hospital de Clínicas atenda exclusivamente a pacientes do SUS, se instala uma dolorosa sensação de marcha a ré na história dessa prestimosa instituição gaúcha e brasileira.
Seria lamentável que um hospital que granjeou fama continental por mérito das luminosas cabeças que o sustentam, foss
e condenado a recuar no tempo, quando o professor médico era só mais um funcionário itinerante, que buscava a sobrevivência trabalhando também em outros hospitais.
Se os tempos de internação são demasiado longos, encarecendo o orçamento da instituição, que se revisem os métodos de gestão!
Se a marcação de exames e consultas são muito demoradas, que se organizem agendas que contemplem as maiores demandas.
Mas, por favor, não permitam que uma instituição que alcançou o respeito que o Hospital de Clínicas fez por merecer em todo o país seja vítima de tamanho retrocesso!”.
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