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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
02 de fevereiro de 2009
N° 15867 - L.F. VERISSIMO
Outro Brasil
“E na noite seguinte à segunda-feira, se perdeu da frota Vasco de Ataíde, sem haver vento forte ou contrário que o pudesse explicar; para o encontrar fez suas diligências o capitão, mas não mais apareceu”, escreveu Pero Vaz de Caminha a D. Manuel de Portugal.
Tresmalhou-se a nau capitaneada por Vasco de Ataíde, e na manhã da segunda-feira, março 23, viu-se posta em solidão, a léguas de cada horizonte e outras tantas do chão. Fez seu caminho para o Sul e guinou para a banda do Sudoeste, seguindo um cheiro silvestre de canela e picuã. E a 21 de abril, descobriu outro Brasil.
Desde então, existe o Brasil das 12 naus, esse que está aí, e existe o Brasil da nau perdida, da nau que chegou só. O Brasil imaginário. O Brasil que poderia ter sido.
Vez que outra o vislumbramos, como um vulto no mato, esse Brasil alternativo. Nenhuma notícia chegou à corte da segunda descoberta. Não está nos arquivos reais, não consta de nenhum relato de escriba, não ficou na História. E, portanto, foi poupado pela História. Tudo o que lhe aconteceu foi apenas imaginado.
É um Brasil clandestino. Pedro Álvares Cabral plantou sua cruz, perguntou se tinha ouro e foi matar seus mouros. Vasco de Ataíde ficou. Despiu-se da lataria de capitão, casou-se com sete índias e estabeleceu-se. E toda a história do Brasil desde Cabral tem sua contrapartida, a história do Brasil desde Vasco de Ataíde. Tudo o que foi feito tem seu oposto: tudo o que não foi feito. Tudo que não foi feito tem seu oposto: o que precisava ser feito, e foi.
O Brasil de Vasco de Ataíde está na espreita do Brasil de Cabral e Dom Manuel. Algum dia ele tomará conta e começará tudo do começo, começará tudo da primeira praia. Certo, desta vez.
Mas, segundo outra versão imaginada, depois de perder-se da frota Vasco de Ataíde fez caminho para Calicute com vento à popa e as latinas bochechadas até ter o Cabo da Boa Esperança em Oeste franco, rumando para os potentados, onde abarrotou-se, e se faria de novo ao mar se uma febre oriental não o tivesse tirado dos pés.
E assim estava, sem prumo ou cuidado cristão, quando chegou Cabral. E perguntou Cabral por onde andara Vasco de Ataíde, e se não sabia que era para a frota andar a Sudoeste como quem não queria nada e descobrir mais Portugal, por ordem de Dom Manuel. E disse Vasco:
– Acho que essa reunião eu perdi...
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