terça-feira, 8 de janeiro de 2008



A LITERATURA NOS TEMPOS DO CINEMA

Ver 'O Amor nos Tempos do Cólera', filme de Mike Newell, baseado no livro de Gabriel García Márquez, despertou a minha atenção para três aspectos historicamente relevantes, mas nem sempre destacados pelos observadores:

não é de hoje que Paris atrai as mulheres, especialmente em dois momentos, como promessa de lua-de-mel e quando o casamento vai mal e exige uma medida forte de recuperação; a obrigação ou não de comer berinjela pode abrir ou fechar as portas do paraíso; adaptações de grandes livros normalmente resultam em pequenos filmes.

De qualquer maneira, o filme, a exemplo do livro, consegue fazer mais um inventário da psicologia feminina, tendo como estudo de caso uma bela colombiana do final do século XIX e começo do século XX.

Fermina Daza, a musa de um homem capaz de esperar por ela mais de 51 anos, gostava de Paris, que não conhecia, detestava berinjela, que nunca tinha comido, e amava um rapaz porque não o tinha observado com mais atenção, o que acaba fazendo em menos de 30 segundos – depois de uma longa separação imposta por seu pai –, tempo suficiente para o despachar e cometer o erro da sua vida. Ou da vida dos dois.

Quer dizer, se erro houve, pois, nesse meio tempo, Florentino, o eterno apaixonado, encontrou ânimo para transar com 622 mulheres e tornar-se importante como diretor de uma empresa do seu tio.

Fermina teve muitas dúvidas ao longo da existência. Mesmo assim, conseguiu ter filhos, gostar do marido, sentir ciúmes dele, ser feliz e infeliz como todo mundo.

O mais empolgante de 'Amor nos Tempos do Cólera', além do inglês dos colombianos no filme, é a descrição dos costumes da época em que se passa a história. A liberação sexual feminina era total.

As mulheres agarravam os homens nos barcos, nas ruas, no quarto deles, com a mãe do sujeito na sala, no escritório, enfim, em qualquer lugar.

Bastava um sorriso, um piscar de olhos, uma insinuação e, pronto, já estavam uma mulher e um homem fornicando. Acabava sempre dando certo. Só um homem se indignou e matou a esposa infiel. Mas deixou em paz o amante.

Daí a minha hipótese radical e inovadora, neste ano de comemoração de quatro décadas de 1968: a revolução comportamental não começou no maio parisiense, mas na Colômbia, cem anos antes. Os colombianos, como sabemos, andam sempre na vanguarda.

É uma ilusão imaginar que somos mais liberados do que os nossos antepassados. Na verdade, somos muito mais conservadores. Os gregos e os romanos eram libertinos.

Dizem que a queda do Império Romano começou quando César desabou do colo de um gladiador. A Grécia é o berço da civilização ocidental e a cama do maior número de bibas reflexivas da história universal. Os franceses do século XVIII não ficavam atrás.

Quer dizer, não ficavam só atrás. Qualquer posição era boa para eles. Nos livros de Machado de Assis, para não ir muito longe, o número de cornos e de esposas infiéis é superior a qualquer outra categoria socialmente respeitável.

A convivência, não raras vezes, era pacífica e todos iam juntos ao teatro. Aí está, certamente, uma boa maneira de recuperar o gosto do público pelo teatro nestes tempos de televisão em casa.

As novelas de televisão é que mudaram os costumes. Ou terá sido a redescoberta pelos franceses, em maio de 68, de uma receita colombiana afrodisíaca de berinjela?

juremir@correiodopovo.com.br

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