sábado, 12 de janeiro de 2008



12 de janeiro de 2008 | N° 15477
A Cena Médica | Moacyr Scliar


Por trás dos óculos escuros

Considerem os seguintes personagens:

1) Jovem adolescente, estudante relapso, chegado a um traguinho e que sempre senta na última fileira da sala de aula

2) Negociante ambicioso, freqüentemente envolvido em operações financeiras de caráter duvidoso e que está a ponto de concluir uma grande transação com um rival

3) Ditador (Ásia, África, América Latina) que vai receber uma comissão de defensores dos direitos humanos para informar sobre presos políticos em seu país

Pergunta: que equipamento comum usam essas três pessoas? Resposta: óculos escuros.

Óculos de grau são usados pela humanidade há muito tempo, sempre com a finalidade de enxergar melhor, de ler melhor, de trabalhar melhor. Óculos de grau são coisa séria, respeitável.

O garotinho que vai para o colégio com seus óculos de grossas lentes é a imagem clássica do bom aluno, do menino virtuoso.

Óculos escuros são diferentes. Seu objetivo é primariamente proteger. Um objetivo que, diga-se de passagem, é mais do que justificado, porque, assim como a luz forte do sol prejudica a pele, prejudica também os olhos. Usar óculos escuros é uma medida de saúde.

Nos três casos mencionados, temos, porém, uma situação diferente. Mostra-o o artigo que, via internet, descobri na Folha da Manhã (antecessora da Folha de S. Paulo), em sua edição de 14 de agosto de 1949: "A moda, que é incerta e variável nas suas manifestações, nos apresenta o uso de óculos escuros como um dos seus últimos caprichos.

Quem quer que saia à rua pode observar que, de tão comum, tal uso já se vai convertendo em abuso.

A intensidade da luz solar nem sempre se presta a justificá-lo. É certo que muita gente se utiliza de lentes coloridas, sob prescrição, ou por algum defeito nos órgãos visuais. Há, porém, o lado subjetivo que pode ser apontado como a maior causa dessa utilização.

Há os que desejam ocultar a irritação que a bebida alcoólica lhes produz nos olhos, os que procuram esconder as olheiras, os batedores de carteira que querem observar, sem que ninguém os observe, os professores que almejam surpreender alunos em plena cola. A todas essas finalidades, têm se prestado os óculos escuros."

Os olhos são o espelho da alma, diz um antigo provérbio, e os óculos escuros ocultam esse espelho. O aluno que não está interessado na aula pode dormir à vontade (desde que sem roncos).

O negociante está afastando um antigo e bem conhecido temor: teme que, em meio à complexa interação com o rival, suas pupilas se dilatem, evidenciando o cobiçoso interesse que ele quer disfarçar. E, a propósito, as pupilas se dilatam mesmo, por ação da adrenalina secretada em meio à excitação.

É como se as pupilas, vorazes, quisessem engolir o mundo. Quanto aos ditadores, a imagem é clássica: masmorras para os adversários, enigmáticos óculos escuros para o público em geral. Óculos que dizem: não tentem descobrir nada se vocês não querem se incomodar.

No site Yahoo, esses dias, apareceu a seguinte pergunta, feita por um leitor: "Um homem de óculos escuros não fica com cara de quem quer esconder alguma coisa ou mascarar algum sentimento?"

Preconceito à parte (afinal, a indagação valeria também para mulheres), essa dúvida faz pensar. Mas talvez seja melhor buscar uma resposta depois do verão. Agora o sol anda muito forte.

Neste dia 14 um grande evento vai comemorar a transformação da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre em Universidade Federal de Ciências da Saúde, com o acréscimo de vários cursos da área.

É uma trajetória gloriosa que começou com a pequena Faculdade Católica de Medicina e agora chega a seu ápice. Um grande dia para a Educação e a Saúde no RS.

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