sexta-feira, 11 de janeiro de 2008



11 de janeiro de 2008
N° 15476 - Paulo Sant'ana


Ciúme do helicóptero

Às vezes, esta profissão que exerço, de comunicador, oferece um tal reconhecimento do público, que deve até superar o impacto benigno de que são alvo as pessoas que se valem dos préstimos dos médicos para curar e salvar a vida delas.

Anteontem, por exemplo, enquanto me dirigia em dois trajetos, para a televisão e o rádio, chusmas de pessoas me atacavam para louvar a minha coluna, cujo tema foi o "ciumento profissional".

Daquelas colunas em que a gente acerta na veia. Fez um sucesso bárbaro a minha coluna de anteontem, e até que eu não levava muita fé nela.

Mas o segredo daquela coluna estava encerrado em uma frase que coloquei quase no início: "O ciumento profissional é conhecido por todos os meus leitores, que convivem diariamente com ele".

Ou seja, o tipo que escolhi é muito freqüente e inafastável no meio social, não há quem não tope com ele no cotidiano.

E como todos conheciam o tipo que abordei, então o êxito da coluna tinha de vir acompanhado assim de tanta repercussão.

O repórter Mauro Saraiva Jr., da Rádio Gaúcha, encontrou-me ontem e, como tantas outras pessoas, me falou na coluna do ciumento profissional.

Ele se confessou para mim um ciumento profissional. Mas incrivelmente ele me disse que seu ciúme tem como nexo e objetivo o helicóptero para o qual ele foi designado há nove anos para transmitir das alturas principalmente o movimento do trânsito em Porto Alegre.

Ele me disse que, quando está em férias e escalam outro repórter para substituí-lo no helicóptero, não tem condições psicológicas para ouvir em casa a transmissão: o seu ciúme do helicóptero é tão grande, que não tem forças para ouvir ninguém falando lá de cima , "no seu helicóptero".

Vejam que um profissional de rádio se confessa completamente ciumento quanto ao equipamento que ele usa para suas reportagens, morre de inveja quando alguém o substitui no helicóptero, chegando ao ponto de não sintonizar a sua amada emissora quando se dá esse fato.

Ou desligar o rádio se outro repórter "se atreve" a tripular o helicóptero que desde que foi inaugurado "lhe pertence".

Foi isso que eu quis dizer naquela coluna: o ciúme é intrínseco à natureza humana.

Quantas vezes nos sentimos agravados quando alguém usa nosso computador, nosso chinelo, nossa coluna?

Uma vez, contei aqui esta história: eu tinha um carro conversível, há 30 anos, um MP Lafer. Andei com ele pela cidade durante uns três anos, era o meu carrinho querido, eu ficava mais jovem e bonito dentro dele.

De repente, como estava já desgastado, resolvi vendê-lo.

Um belo dia, eu estava dirigindo já outro carro, quando vi o meu MP Lafer passar por mim, pintado, brilhando, já sendo dirigido por seu novo dono.

Corri em disparada atrás do MP Lafer, parecia que aquele motorista que o dirigia tinha roubado a minha mulher e a estava namorando!

Até lá pelos lados do aeroporto, quando vi que o MP Lafer iria se dirigir para Canoas, abandonei minha ridícula perseguição.

Mas estacionei meu novo carro no acostamento e derramei uma lágrima em homenagem ao antigo, em homenagem ao meu amor perdido, em homenagem ao que um crítico de literatura portuguesa que analisou um poema de Fernando Pessoa chamou de "saudade do futuro".

Ou então, quando segui alucinadamente o ex-meu MP Lafer pelas ruas da cidade, fiz o que disse a respeito o poeta Guilherme de Almeida, é claro que de olho no meu carrinho querido que fui obrigado a vender: "Tenho ciúme de quem não te conhece ainda/ e cedo ou tarde te verá pálida e linda/ pela primeira vez".

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