sexta-feira, 11 de janeiro de 2008



PROGRAMA DE ANO NOVO

Em 2008, precisamos mudar o mundo. É simples assim. Eu sempre tive vontade de fazer isso. Mas me faltava tempo, inspiração ou parceria.

Em alguns momentos, preferi ir à praia. Em outros, fiquei em casa vendo televisão. Nunca, porém, deixei de pensar no assunto com gravidade nem de sentir culpa pela imutabilidade das coisas.

Certa vez, saí para mudar o mundo. No caminho, encontrei uns amigos e passamos a noite mudando o mundo na mesa de um bar.

Ao amanhecer, voltei para casa com tudo resolvido. Os efeitos da nossa revolução se fizeram sentir a partir do meio-dia. Uma enorme ressaca. Qualquer oportunidade é boa para darmos o pontapé inicial.

Minha colega Raquel Paiva, professora da Faculdade de Comunicação da UFRJ, mulher inteligente e cativante, enviou para mim e outros amigos seus um cartão de votos de ano-novo que é um verdadeiro programa de transformação do mundo.

Diz assim: em 2008, economize água, consuma menos carne, apague a luz, deixe o carro em casa, consuma orgânicos, use menos papel, utilize menos sacolinhas plásticas, prospere de forma sustentável, seja voluntário e mude o mundo.

Não é fantástico? Cada item traz uma argumentação capaz de nos tirar o sono. Por exemplo, 'segundo a ONU, a escassez de água já atinge 2 bilhões de pessoas, número que pode dobrar em menos de 20 anos'.

Gostei do cartão porque me permite mudar o mundo sem deixar de ir à praia ou de ficar em casa vendo televisão. O problema é que eu sempre fico procurando culpados para tudo.

Quem foi que nos convenceu a só andar de carro, a gastar água como se fôssemos os donos de todos os mananciais e a deixar todas as luzes da casa acesas?

Essas perguntas já seriam suficientes para instalar um júri popular, mas há outra ainda mais assustadora: quem foi que nos convenceu a preferir sacolinhas plásticas à velha e boa sacola que se levava de casa para trazer os produtos do mercado?

Todas as recomendações do cartão da Raquel eram naturalmente seguidas quando éramos crianças nas pequenas cidades do interior do Brasil. Pois eu vou designar os culpados. Preparem-se para ter uma surpresa acachapante, digna de um capítulo de telenovela.

Os culpados são todos os adoradores da modernidade. Quando alguém fala em modernizar, eu tenho vontade de sacar o meu revólver. Um revólver de brinquedo. Quem são os principais vendedores dos mitos da modernidade: empresários e publicitários.

Essas duas categorias, cúmplices, vivem de desqualificar o passado e de inventar futuros que se transformam em pesadelos presentes. Um publicitário é, em geral, um sujeito com um visual esquisito que vive de louvar a inutilidade de novos produtos para que eles sejam rapidamente adotados em lugar de outros.

O usuário que resiste é tratado como anacrônico, grosso ou de mau gosto. A principal técnica da publicidade é a chantagem emocional.

As festas de final de ano, por exemplo, são apoteoses à destruição do planeta. As luzes que enfeitam cada cidade deveriam ser catalogadas como crimes contra a humanidade. Ou contra o lugar onde a humanidade habita. Exagero? Ao contrário.

Proponho que comecemos a mudar o mundo levando a júri popular os publicitários e os empresários que, de tanto cantar os feitos da modernidade bacana, mataram por tabela as sacolas caseiras e obrigaram-nos a usar essas nefastas sacolinhas plásticas que conduzirão à decadência do planeta. Em 2008, aposte num publicitário orgânico e sustentável.

juremir@correiodopovo.com.br

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