quarta-feira, 30 de abril de 2025


30 de Abril de 2025
MÁRIO CORSO

O livro certo

De tanto em tanto chega a pergunta: qual livro você me aconselha a ler? Nunca sei responder. Consigo dizer quais os livros que me encantaram. Quais os livros de não ficção que fizeram minha cabeça dar voltas. Consigo falar de livros, ou autores, que mudaram minha forma de perceber o mundo, que educaram minha imaginação.

Vez que outra, até acontece a mágica e faço a ponte do encontro feliz entre o livro e seu leitor. Mas é apenas sorte, o encontro com o livro certo para o momento do leitor é demasiado pessoal. Mesmo as obras consagradas, aquelas que ninguém sai o mesmo depois da leitura, precisam encontrar o leitor na hora certa de lê-los. Não há outra saída senão aprender a garimpar livros.

Na minha opinião, o livro certo é aquele que você não consegue parar de ler, aquele que você espera para se reencontrar quando a vida dá folga. Aquele que nos faz roubar tempo até do sono. Aquele que amamos mesmo quando nos perturba. O livro certo existe, a questão é onde ele está. Existem curadorias, grupos de leitura conjunta, que são um bom início para quem ainda não se orienta sozinho nas estantes.

Borges recomendava peneirar os livros pela idade. Deixar o tempo separar a literatura dos panfletos. Não dá para levar ao pé da letra, pois nos deixaria sem a força do contemporâneo. O conselho exagerado avisa que se produz obras que envergonham o papel e a tinta. Os insuportáveis livros de moda intelectual. Aqueles que trombeteiam o que é correto louvar a cada momento.

Existem livros que precisam ser domados antes de entrarmos na aventura de suas linhas. Persistimos até descobrir quem está domando quem. E se o livro for apenas chato? Ou é bom e você não está na estação propícia para recebê-lo. Como saber? Não existe regra. Dominar esse momento crítico é o que faz alguém ser um leitor suficientemente autônomo. A dificuldade com a leitura é também uma dificuldade com a solidão dessa encruzilhada. Ultrapassado esse portal o jogo vira. Os bons livros conversam com todos os outros livros. Não vai te faltar "gente" nem assunto.

Afora o deleite, a leitura ainda é o mais completo exercício cerebral. Se você não está lendo, provavelmente é porque não está com o livro certo. Vá em busca dele. _

MÁRIO CORSO


30 de Abril de 2025
OPINIÃO DA RBS

Bom senso para resolver impasse

Não é novidade e sequer se restringe ao Rio Grande do Sul o quadro de extrema dificuldade para contratar mão de obra. As taxas de desemprego, no Brasil e no Estado, estão em mínimas históricas. Companhias de todo o país se queixam das vagas abertas que não conseguem preencher pela escassez de trabalhadores.

Diante de uma conjuntura bastante conhecida, deve-se esperar bom senso para solucionar o caso das empresas gaúchas atingidas pelas enchentes de maio do ano passado que estão ameaçadas de perder as condições especiais de empréstimos por não conseguirem manter ou aumentar o número de funcionários que tinham antes da tragédia climática. 

A colunista Giane Guerra vem noticiando que companhias que conseguiram acessar a linha do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) com juros subsidiados estão sendo notificadas pelas instituições financeiras repassadoras de que podem perder os benefícios caso não cumpram a regra de recomposição da quantidade de trabalhadores agora, em maio. De acordo com o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, um terço dos negócios que tomaram os empréstimos está com essa dificuldade.

Podem existir exceções, mas essas empresas, notadamente indústrias, em regra não estão conseguindo recrutar trabalhadores pelo fato incontornável de que não há capital humano disponível. Trata-se de uma situação alheia à vontade dos empregadores.

Logo nos primeiros meses depois da enchente, empresas direta e indiretamente atingidas pela tragédia, sem conseguir produzir, abrir as portas ou com problemas logísticos, viram-se forçadas a demitir. Entre maio e julho, o Estado perdeu quase 40 mil postos com carteira assinada. Mas a recuperação veio em seguida, e o Rio Grande do Sul encerrou o ano com um saldo positivo de 63 mil vagas formais. Os dispensados foram rapidamente absorvidos. Sabe-se também que, nos municípios mais afetados, registrou-se movimento migratório para outras cidades, o que amplia as dificuldades das empresas locais de conseguirem mão de obra.

Compreende-se que as instituições repassadoras, comprometidas em zelar pelas regras dos empréstimos, até para não sofrerem sanções dos órgãos de controle, cumpram o seu papel e façam essas notificações. Mas será mandatório encontrar uma saída para formalizar uma flexibilização dessa obrigação aprovada em lei pelo parlamento. Contrapartidas de manutenção ou expansão de empregos para benefícios são justificáveis e até comuns. Mas, no caso específico, há uma barreira intransponível. Segundo Mercadante, o máximo que o BNDES poderia fazer, via Conselho Monetário Nacional (CMN), seria dilatar o prazo para o cumprimento da norma. 

De qualquer forma, seria somente um paliativo. Uma solução definitiva, diz o dirigente, teria de vir via Congresso. Passe a fórmula a ser encontrada pelo Legislativo ou pelo Executivo, resta claro que só virá por mobilização política. É tarefa das entidades representativas e da bancada gaúcha. O que não é razoável é as empresas impactadas pela cheia sofrerem outro duro golpe em meio ao processo de recuperação de seus negócios. 


30 de Abril de 2025
GPS DA ECONOMIA

Cem dias do presidente que pode encolher o mundo

Em apenas cem dias, o presidente dos Estados Unidos de plantão, Donald Trump, conseguiu um feito inédito: abalou as bases do próprio capitalismo do qual se considera estrela e provocou um cenário inimaginável em décadas, o de fuga do mercado americano.

A disrupção que abalou dois totens da maior economia de mercado do planeta - os títulos do Tesouro americano e o próprio dólar - é comparada à provocada pela epidemia de covid-19.

E o mais curioso: só surpreendeu quem não acreditou no próprio Trump.

Mesmo com o recente sinal de abertura de negociação com a China, há muito estrago já feito. Primeiro, a tarifa de 10% que segue vigorando ante 184 países - excluindo as ilhas onde só vivem focas e pinguins -, o que significa cinco vezes mais do que a alíquota média que existia antes do famigerado Dia da Libertação.

Em resultado, o comércio internacional encolheu, as maiores promessas tecnológicas americanas registram perdas bilionárias, empresas tradicionais falam em cortar investimentos e aumentar preços, e o crescimento global vai desacelerar, conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI).

No momento em que a melhor comparação histórica a Trump que os americanos fazem é com o governo Nixon, analistas veem o atual governo como o segundo pior, ao menos no impacto ao mercado financeiro.

Brasil tem oportunidade, se...

Um dos fundadores da consultoria Eurasia Group e seu presidente, Ian Bremmer, constata que o índice mais abrangente da bolsa de Nova York, o S&P 500, caiu 7,9% entre 20 de janeiro, data da posse, até o centésimo dia de governo. E diagnostica que é "o pior para o mercado de capitais desde Nixon nos anos 1970".

Bremmer acrescentou que os primeiros cem dias de Trump foram "exatamente como se esperava".

- E isso fez dos EUA hoje os principais difusores da incerteza geopolítica e econômica - completou.

Para o Brasil, o impacto imediato não foi tão ruim. Conforme o economista André Perfeito, houve fluxo positivo para a bolsa de valores no ano de R$ 1,62 bilhão, mesmo depois da saída de R$ 3,26 bilhões em abril.

Para além do fluxo financeiro, mais imediatista, o país se apresenta como opção de parceiro comercial para a China. Na segunda-feira, o governo chinês afirmou oficialmente que a soja brasileira pode substituir os grãos dos EUA no abastecimento do país.

Se o governo souber avaliar corretamente a oportunidade, é possível que venha a ser visto, também, como opção de investimento. Para que isso ocorra de fato, é preciso criar as condições adequadas. Não estamos tão longe que seja impossível nem tão perto que possamos conviver por mais tempo com distorções históricas, como desincentivo à produção local e descuido com o equilíbrio fiscal. _

Marta Sfredo

30 de Abril de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Não é fácil compreender o sistema político brasileiro

Tente explicar em português, com um tradutor ao lado, o sistema político-partidário brasileiro a um japonês ou a um alemão, neste momento de fusões, incorporações e formação de federações. É difícil explicar até para os brasileiros pouco familiarizados com o mundo paralelo da política esses arranjos cujo objetivo é atender aos interesses de quem está no poder.

O PP e o União Brasil formaram uma superfederação que terá as maiores bancadas na Câmara e no Senado e, com dinheiro, capilaridade e tempo de TV, tende a eleger o maior número de deputados. Com que objetivo? Ganhar mais poder de barganha na ocupação de cargos no Executivo, aumentar o dinheiro dos fundos partidário e eleitoral, ter mais recursos de emendas para distribuir e assim se retroalimentar.

Deputados do União Brasil que não têm o mesmo poder dos progressistas para conquistar votos avaliam se é melhor ficar ou sair. Em março de 2026 abre-se a janela para quem quiser trocar de partido sem perder o mandato, invenção criada pelos parlamentares para escapar da punição por infidelidade partidária.

Como explicar que, no anúncio da federação, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, discursou como pré-candidato à Presidência, se os dois partidos estão no governo Lula? Além disso, têm entre seus líderes os que preferem Jair Bolsonaro ou Tarcísio Gomes de Freitas?

Fechando o foco no Rio Grande do Sul, também não é fácil explicar que PP e União Brasil participam do governo de Eduardo Leite, mas poderão se aliar ao PL na eleição de 2026, em vez de apoiar o candidato da situação, o vice-governador Gabriel Souza (MDB).

Se o leitor ainda não estiver entediado, pode fazer o exercício de explicar a lógica da fusão entre PSDB e Podemos e de o governador Eduardo Leite optar pelo PSD.

Leite deseja ser candidato a presidente, mas Gilberto Kassab, que manda no PSD, acaba de dizer que, se Tarcísio for candidato, a centro- direita se unirá em torno dele. Para ser candidato, Tarcísio quer garantir o apoio de Bolsonaro, o que significa colocar no mesmo palanque políticos que amam o ex-presidente e outros que gostariam de vê-lo pelas costas. _

01

Thalis recebe apoiadores do Instituto da Criança com Diabetes

Cerca de cem convidados foram recepcionados por Thalis Bolzan, marido do governador Eduardo Leite, para o chá de lançamento do jantar beneficente anual do Instituto da Criança com Diabetes ontem.

O jantar, conhecido como Ilhas da Gastronomia, contará com a participação voluntária de pelo menos 16 renomados chefs de cozinha do Estado.

Thalis foi convidado para ser o embaixador do jantar por ter especialização em endocrinologia pediátrica pela Universidade de São Paulo (USP). O evento no Piratini foi o primeiro compromisso institucional de Thalis desde que se mudou, no início do ano, para Porto Alegre, onde também montou consultório médico.

- Fico especialmente feliz por ter ao meu lado um marido médico, que me traz informações e colaborações sobre como podemos avançar ainda mais na área da saúde - disse Leite, na ocasião. _

02

Podemos convida Ranolfo para se filiar e concorrer

Em almoço com a bancada do Podemos na Assembleia, o ex-governador Ranolfo Vieira Júnior foi convidado a se filiar ao partido e concorrer na eleição de 2026. O atual diretor-presidente do BRDE se desfiliou do PSDB em 2023, condição necessária para assumir o cargo na instituição.

- Ranolfo reúne todas as credenciais que buscamos: experiência, equilíbrio e compromisso com o Rio Grande - disse o presidente estadual do Podemos, Everton Braz.

Ranolfo deixou o governo com alta aprovação e segue uma figura respeitada no cenário gaúcho. No almoço, ele lembrou que seu mandato no BRDE termina em outubro. _

Marcon quer vetar uniforme vermelho

Por falta de coisa mais interessante para fazer, políticos que vivem da lacração nas redes sociais gastaram a segunda-feira para repercutir a informação (ou especulação) de um site estrangeiro sobre a suposta criação de uma camisa vermelha para a seleção brasileira de futebol. Prontamente, deputados e vereadores de direita associaram a cor ao comunismo e passaram a criticar o suposto uniforme.

Mas o deputado gaúcho Maurício Marcon (Podemos) foi além: protocolou um projeto que obriga atletas, seleções e equipes que representam o Brasil a usarem uniformes apenas nas cores da bandeira nacional, visando a "coesão nacional e manutenção do justo sentimento de pertencimento". _

Diretoria do Conceição é reconduzida

Errou quem apostou que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, trocaria a diretoria do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), escolhida por sua antecessora, Nísia Trindade. Na segunda-feira, com aval de Padilha, o Conselho de Administração do GHC prorrogou o mandato da atual diretoria, mantendo Gilberto Barichello como presidente por mais dois anos.

Ontem, Barichello participou de reunião com o ministro e a equipe dele para tratar do Programa Mais Acesso a Especialistas. O GHC terá papel central na execução nacional do programa, por ser o principal grupo que atende SUS no Rio Grande do Sul. A partir de 2 de junho será implantado o terceiro turno (à noite) para a realização de exames e cirurgias.

A manutenção da atual diretoria deve ser interpretada como um reconhecimento da competência técnica e política de Barichello, tanto na condução do GHC como na atuação nacional. Relembrando, Nísia delegou a ele a tarefa de reorganizar o Hospital Federal de Bonsucesso (RJ). 

POLÍTICA E PODER

30 de Abril de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

O clima na casa dos cardeais brasileiros em Roma

Agora que há uma data para o início do conclave - no dia 7 de maio -, os cardeais brasileiros recolheram-se ao silêncio, como quem recolhe uma bandeira antes da tempestade. A cada passo mais próximo da fumaça branca, cresce a discrição - e diminui o apetite por entrevistas.

Sete dos oito cardeais brasileiros estão hospedados no Colégio Pio-Brasileiro, um endereço que, em tempos comuns, abriga padres em fase de formação, missas discretas, café com pão italiano e tardes de silêncio entre livros. Mas agora, em plena Sede Vacante, a casa na Via Aurélia se transforma num quartel-general de batinas vermelhas.

O colégio foi fundado em 1934 por iniciativa dos bispos do Brasil, com apoio direto da Santa Sé e da Congregação para a Educação Católica. Pertence à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem o arcebispo metropolitano de Porto Alegre, dom Jaime Spengler, como presidente.

Nesses dias, a exceção entre os cardeais é o catarinense dom João Braz de Aviz, que não está hospedado no Pio-Brasileiro porque vive o dia a dia do prefeito emérito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica no Vaticano.

Na manhã de ontem, estive no colégio. Os cardeais participavam da sexta congregação geral, aquele tipo de reunião em que o mundo entra pelas portas do Vaticano: guerra, pandemia, migração, clima - todos esses temas cruzam a mesa cardinalícia antes que qualquer nome se solidifique como sucessor de Pedro. Mais que um espaço de debates, essas congregações são, sobretudo, uma espécie de grande apresentação. Um ensaio silencioso. Afinal, cerca de 80% dos cardeais com direito a voto foram nomeados por Francisco - e muitos nem sequer se conhecem de verdade.

Eis o paradoxo do pontificado argentino: ao diversificar o Colégio Cardinalício e torná-lo mais global, mais plural, também tornou o processo mais imprevisível. Ao contrário dos conclaves anteriores, quando os votos convergiram em dois dias, desta vez, a fumaça branca pode tardar a subir da chaminé da Capela Sistina. Porque, como em qualquer eleição, é mais difícil escolher quando se conhece menos.

No Pio-Brasileiro, pouco antes do meio-dia, a mesa dos cardeais já estava posta no refeitório: cálices, pratos e algumas laranjas ao centro sobre a toalha branca. As demais, não. Em minutos, eles chegariam de volta do Vaticano. Uma van faz esse vaivém diário, sempre discreto, entrando pela Porta del Perugino - a mesma por onde saiu o papamóvel com o caixão de Francisco.

Por ali, raros jornalistas. Bem diferente da Porta Sant?Anna, onde a imprensa se acotovela na esperança de arrancar uma frase, um gesto, qualquer sinal dos cardeais que caminham a pé, muitos deles italianos, menos blindados à insistência dos microfones.

Na manhã de ontem, o refeitório era só silêncio, mesa posta e expectativa. _

Dois votantes a menos com Vitor Netto

A Santa Sé informou ontem que dois cardeais não estarão no conclave por motivos de saúde.

Dos 135 aptos a votar, o número cai para 133. A informação veio de Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa.

O Vaticano não confirmou a nacionalidade dos ausentes, mas informações preliminares indicam que um deles seria o arcebispo de Valência (Espanha), Antonio Cañizares, de 79 anos, que já havia comunicado sua impossibilidade de comparecer. O outro, embora a ausência não tenha sido oficialmente confirmada, seria o cardeal bósnio Vinko Puljic. Ambos são da ala conservadora do Colégio Cardinalício. _

A expectativa do padre Gustavo

Quando o relógio se aproxima do fim da tarde, a roda de chimarrão denuncia os conterrâneos do Sul no Pio- Brasileiro. Entre eles, está o padre Gustavo Alves Batista, natural do Sarandi, na zona norte de Porto Alegre. Com voz tranquila, Gustavo conta que cerca de cem brasileiros vivem no colégio, cinco deles gaúchos.

- Fazemos roda de chimarrão no fim do dia, conversa, e quando o tempo permite, dá até pra fazer um churrasco. No Gre-Nal, nos juntamos para assistir juntos - disse à coluna.

Padre Gustavo tem 35 anos. Ingressou no seminário aos 18, em Gravataí. Depois, foi para Viamão. Estudou Filosofia e Teologia na PUCRS, e, em 2017, foi ordenado sacerdote na Paróquia Nossa Senhora da Salete. Na semana em que o conclave começa a ser preparado, o Pio- Brasileiro se transforma.

- Os cardeais passam a fazer parte do nosso cotidiano. Estão nas refeições, são acessíveis, perguntam de onde somos. O colégio presta serviço de acolhida, para que eles possam viver o conclave com serenidade - relata.

Em 2024, o colégio completou 90 anos. Por isso, seus estudantes foram recebidos pelo papa Francisco. Em encontro com mais de 300 padres, o Pontífice abriu espaço para perguntas e conversas.

- Estávamos havia mais de uma hora em diálogo com ele, e eu pensava: ele não vai cumprimentar todos individualmente.

Francisco cumprimentou um a um. À medida que a Igreja se prepara para o conclave, Gustavo tem uma expectativa:

- Esperamos alguém que se deixe conduzir por esse espírito de serviço, que viva o ministério petrino como um dom, como sinal para o mundo. _

Casamento sob bênção de Francisco

A brasileira de Cruzeiro (SP) Letícia Schaefer e o suíço Luca Schaefer tinham como sonho trabalhar no Vaticano. Ela foi voluntária na visita do papa Francisco ao Brasil, em 2013. Ele era guarda suíço, das forças armadas da Santa Sé. Encontraram-se servindo ao Papa. Quando decidiram casar, na Igreja de Santo Estêvão dos Abissínios, no Vaticano, convidaram Francisco.

- Mandamos um convite dizendo: "Muito obrigado pela sua vocação, querendo te servir, nos conhecemos e, agora, está formando uma família. E vamos casar na frente da sua casa, e o senhor está convidado" - conta Letícia, que atua na Pontifícias Obras Missionárias (POM), instituição da Santa Sé de evangelização de novas igrejas particulares.

- Ele aceitou e veio no nosso casamento - completa ela.

Quando os filhos do casal nasceram, Francisco os abençoou. E a cada aniversário do casamento, o Papa costumava ligar.

- Ele falava em português. A última vez foi ano passado. Falou: "Letícia". Disse: "Santidade". Ele: "Você reconhece minha voz?" Veja a humildade - relembra.

O casal e os filhos estiveram na despedida do Papa. 

INFORME ESPECIAL

terça-feira, 29 de abril de 2025


Clique com moderação!

Como ocorre com medicamentos e com alguns produtos alimentícios que são obrigados a expor advertências em suas embalagens, também os telefones celulares deveriam ostentar em suas telas alertas do tipo: "Na dúvida, não clique!". Talvez o lembrete servisse para reduzir o número de usuários distraídos ou ingênuos que abrem as portas de suas vidas digitais (e de suas contas bancárias) para golpistas que passam o tempo todo lançando suas iscas venenosas.

Mas também não sei se adiantaria muito. Avisos como esse costumam ser tão inúteis quanto os corriqueiros "beba com moderação" ou "jogue com responsabilidade". Quase ninguém liga para eles. Ocorre o mesmo com as numerosas placas de advertência plantadas nas margens das estradas brasileiras: "Dirija com cuidado", "Obedeça a sinalização", "Na dúvida, não ultrapasse". Quem liga para elas?

São bem-intencionadas, mas pouco eficientes. As pessoas dificilmente mudam seus hábitos ou contêm seus impulsos por causa de alertas escritos - a não ser no caso de avisos realmente contundentes. Quando cobri a Copa da Argentina, em 1978, em plena ditadura militar naquele país, deparei-me com uma placa realmente convincente numa rua de Rosário: "No pare! Los guardias harán fuego". Caí fora daquele lugar.

Por aqui, nem as advertências mais fortes parecem funcionar. As carteiras de cigarros, por exemplo, contêm avisos aterrorizantes sobre as doenças do fumo. São necessários, mas nunca ouvi falar de alguém que tenha deixado de fumar por causa delas. Até lembretes simples têm pouca eficácia entre nós: "Não bata a porta", "Não coloque lixo neste local", "Respeite o silêncio". Às vezes tais mensagens parecem até provocar o efeito inverso.

Por isso, prefiro os bem-humorados. Também são desconsiderados, mas, pelo menos, provocam risos: "Em caso de incêndio, saia do local antes de publicar na internet" e "Não perturbe. Já sou suficientemente perturbado". Mas cair na armadilha dos golpistas não tem graça nenhuma. E eles são rápidos: agora já estão disparando ardilosas ofertas de ressarcimento para aposentados extorquidos por associações fraudulentas.

Sei que pouco adianta, mas repito: "Não clique!", "Não clique!", "Não clique!". 

NÍLSON SOUZA 


OPINIÃO DA RBS

Entre a pressa e o bom planejamento

É natural que a marca do primeiro ano da histórica grande enchente de 2024 ative as lembranças traumáticas da destruição, dos prejuízos e dos transtornos causados pelo avanço incontrolável da água. São gatilhos próprios de efemérides do gênero. Por esses acontecimentos ainda estarem vivos na memória de quem sofreu na pele as consequências dramáticas da cheia, 12 meses depois são reforçadas as cobranças sobre o que foi feito ou é planejado para a tragédia não se repetir.

São inquietações comuns a todas as cidades e regiões mais atingidas pela enchente e bem ilustradas por reportagem de Marcelo Gonzatto e Gabriel Jacobsen publicada ontem em Zero Hora e GZH sobre o que avançou e pontos que preocupam em Porto Alegre. A conclusão, em síntese, é de que caso o dilúvio voltasse a ocorrer hoje, a Capital tornaria a ter áreas alagadas, embora possivelmente não na mesma proporção observada na enchente que passou a ser considerada a maior já documentada no Rio Grande do Sul.

Algumas ações emergenciais já concluídas amenizariam a inundação. Há comportas que existiam no Muro da Mauá que foram concretadas. Trechos de diques na Zona Norte também receberam correção ou estão prestes a ter o reforço concluído. Parte das casas de bombas passou por reformas e conta agora com geradores de energia. Ainda assim, restam comportas derrubadas pelas quais a água passaria, a existência de moradias torna incerto o prazo para robustecer diques em outros trechos e vulnerabilidades persistem em casas de bombas. Essas são algumas das vulnerabilidades que permanecem.

Mesmo que o poder público não tenha ficado de braços cruzados, persiste a sensação, em parcela da população, de que pouco foi feito. Muito dessa percepção deriva da lentidão característica das obras e serviços públicos no Brasil, que dependem de licitações e uma série de processos burocráticos para deslancharem. As previsões legais de que participantes das concorrências possam contestar o resultado dos certames, inclusive no Judiciário, é outro entrave recorrente. São obstáculos que costumeiramente atravancam inclusive ações emergenciais. Para obras estruturantes, mais complexas e custosas, aumenta a exigência de um bom planejamento para que sejam consistentemente projetadas e, uma vez construídas, resistam e venham a ser efetivas em enchentes de grande porte.

O desafio é ter agilidade para proteger as cidades das cheias o mais rápido possível, mas sem açodamento que possa comprometer o resultado quando essas estruturas forem exigidas. Cabe ao poder público, autoridades e especialistas serem transparentes e didáticos para explicar como essa conciliação deve ser feita. Mas isso não significa licença para se esconder atrás da burocracia ou se acomodar diante de obstáculos de fato difíceis de serem contornados, como a remoção de famílias para a reforma de diques. Também é importante que, a despeito de diferenças políticas, exista espírito de colaboração entre prefeituras, Estado e governo federal. Só assim a população, hoje aflita, estará ao menos segura de que os sistemas de proteção contra cheias, embora demorem alguns pares de anos, serão entregues e terão qualidade e robustez. 



29 de Abril de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Trump está tentando fazer com o dólar o mesmo que Nixon fez com o ouro?

As comparações entre o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o que ocupou o cargo entre 1969 e 1974, Richard Nixon, começaram cedo. Uma das primeiras foi sobre a "teoria do louco", a ameaça de usar armas nucleares para atemorizar a antiga União Soviética. Como ninguém entendia o foco de Trump nas tarifas, havia a tese de que seria uma nova versão. Não era.

Na noite de 15 de agosto de 1971, Nixon anunciou em rede nacional o fim do "padrão ouro", sistema que atrelava a cotação do dólar à do metal precioso. Quebrou uma regra essencial estabelecida no acordo de Bretton Woods, que definiu as bases da estabilidade econômica depois da Segunda Guerra Mundial.

Há 54 anos, como há poucos dias, as bolsas desabaram. O "choque de Nixon" incluía tarifa geral de 10% sobre as importações e controles temporários de preços e salários para segurar a inflação.

A mais recente tese sobre o irracional tarifaço é de que Trump quer fazer com o dólar algo semelhante ao que Nixon fez com o ouro: retirar uma âncora global para "ganhar" com a desvalorização da própria moeda. Em tese, dólar mais fraco favoreceria a compra de produtos americanos por outros países, o que reduziria o grande déficit dos EUA no comércio internacional. Na prática, é o que vem ocorrendo: a moeda americana perde valor ante euro, iene e franco suíço, outras denominações de referência.

Efeitos colaterais

No entanto, os efeitos colaterais do tarifaço vão muito além: empresas americanas estão cortando viagens, atrasando projetos e desacelerando contratações porque não conseguem ver o que vem pela frente. Nixon teve de renunciar depois de acabar com o padrão-ouro. O motivo formal foi seu envolvimento no escândalo de Watergate, um arrombamento para roubo de informações conduzido por ordem da Casa Branca em uma sede do Partido Democrata. O mal-estar na economia, porém, pesou para que houvesse expectativa de um impeachment para derrubar o então presidente.

O índice S&P 500, o mais abrangente da bolsa de Nova York, acumula queda ao redor de 8% desde a posse de Trump, que completa cem dias no governo amanhã. Caminha para o pior desempenho neste período desde Gerald Ford, em 1974. Depois da renúncia de Nixon. _

Dólar fecha abaixo de R$ 5,65 com Galípolo sinalizando alta no juro

Em sua sétima queda consecutiva, o dólar teve baixa de 0,68% ontem, para R$ 5,648. Com a guerra comercial, determinante para câmbio, em banho-maria, o cenário doméstico dominou.

O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, relativizou expectativas sobre uma decisão mais suave sobre o juro na próxima semana.

- A economia ainda demanda nossa vigilância no que é o nosso mandato principal, a preocupação corrente com uma inflação acima da meta, e a economia anda demonstrando sinais ainda incipientes de arrefecimento - disse Galípolo.

As novas observações corrigiram apostas de que o ciclo de alta teria terminado, surgidas a partir de declarações de um diretor do BC. Na semana passada, Diogo Guillen mencionou mais "flexibilidade" e "cautela" nas decisões, o que foi interpretado como menos apetite por alta. Nos últimos dias, tem se visto erosão no conceito de "porto seguro" dos títulos do Tesouro americano. Isso se traduz no potencial de atrair capital externo mesmo sem novas altas. _

Por que as regras do conclave são tão rígidas

Com a definição da data de início do conclave para 7 de maio, o mundo vai acompanhar, pela quinta vez em menos de 50 anos, as rígidas regras para a escolha de um novo Sumo Pontífice. Nas últimas cinco décadas, houve uma morte depois de apenas 33 dias, a de João Paulo I, e uma raríssima renúncia, a de Bento XVI. Isso tirou peso da expressão "uma vez a cada morte de papa".

O significado do nome "conclave" é bem conhecido. Mas há menos informação sobre o motivo de manter os participantes "com chave", da expressão em latim cum clave. A origem da necessidade é do século 13, quando a escolha do papa Gregório X levou 31 meses. Isso que havia 16 cardeais para representar as diferentes correntes da Igreja Católica.

Escolhido só depois da interferência do soberano do Sacro Império Romano, Rodolfo I de Habsburgo, o papa então editou o decretum de electione papae (decreto de eleições papais). A reforma determinou que a escolha passasse a ser feita sempre "com chave", em área isolada e sob controle para evitar influências externas.

O local das reuniões, um palácio papal em Viterbo - cidade da região de Lazio, a mesma de Roma -, teve o teto removido para expor os participantes à intempérie e criar o senso de urgência necessário.

Oito séculos depois, não passa pela cabeça de ninguém remover o teto da Capela Sistina, fundo de uma das obras mais conhecidas de Michelangelo, A Criação de Adão. E embora concluam a escolha sob chave, os cardeais já começaram o processo ontem, com regras menos rígidas. Em 2013, isso foi decisivo para a escolha de Jorge Bergoglio. _

Europa precisa lançar luz a consumidores e setor elétrico

O gigantesco apagão que afetou Portugal, Espanha, Andorra e partes de França, Bélgica e Alemanha começou a ser normalizado na Grande Lisboa, mas ontem à tarde ainda não havia certeza sobre a causa. Pelo alcance incomum, foi acionado o Instituto Nacional de Segurança Cibernética (Incibe) da Espanha para investigar a possibilidade de um ataque cibernético.

No início da noite, alguns pontos da Grande Lisboa começaram a ter abastecimento retomado, mas seguia não havendo prazo para a normalização total do fornecimento.

A hipótese de cibertaque a sistemas elétricos é um temor real há anos, embora até hoje não tenha ocorrido confirmação desse tipo de episódio, ao menos não da dimensão de ontem. Falhas tecnológicas, como a ocorrida em julho do ano passado com um sistema operacional da Microsoft, também não estão descartadas.

Um ciberataque é o pior pesadelo do sistema elétrico, porque evidencia as fragilidades das redes. Caso tenha ocorrido, há dúvidas, inclusive, se seria admitido por autoridades do setor.

Conforme a empresa que administra o abastecimento em Portugal, a origem seria um fenômeno atmosférico raro, chamado "vibração atmosférica induzida". Na Espanha, o Centro Nacional de Inteligência segue considerando ciberataque como possível causa.

Agora, o mais importante é normalizar o suprimento, até porque europeus não estão "habituados", como os gaúchos, a longos períodos sem energia. Mas depois de tirar os clientes da escuridão, o setor elétrico europeu tem obrigação de dar luz às causas para construir mecanismos eficazes de prevenção. _

GPS DA ECONOMIA


29 de Abril de 2025
ACERTO DE CONTAS

RS perde para PR e SC no lançamento e na venda de imóveis novos

O mercado imobiliário do Rio Grande do Sul fechou 2024 com 18.205 unidades lançadas, um crescimento de 4,2% sobre 2023. O avanço, no entanto, foi o menor da Região Sul. No Paraná, foram 27.955 unidades, alta de 25,8%. Santa Catarina liderou com 46.045 lançamentos, aumento de 17,9%.

Os dados são da Brain Inteligência Estratégia, disponibilizados com exclusividade para o programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha. O CEO Fábio Tadeu Araújo pondera que o resultado gaúcho foi prejudicado por uma questão conjuntural: a enchente.

A Grande Porto Alegre perdeu de três a quatro meses de capacidade de lançamentos imobiliários, até a cidade se recuperar e estar limpa. Além disso, a cabeça das pessoas precisava estar direcionada de novo à compra de imóveis. As construtoras acabaram empurrando os lançamentos. Parte disso veio desaguar agora em 2025 - diz.

O executivo acrescenta, porém, que o Estado tem ainda uma questão estrutural:

O Rio Grande do Sul perde população, enquanto Paraná e, em especial, Santa Catarina têm crescimento demográfico, o que gera a necessidade de mais imóveis. Porto Alegre, então... Está perdendo ainda mais a população do que o interior do Estado.

Estoque menor

O que ajudou foram as vendas de imóveis novos subirem mais do que os lançamentos no Rio Grande do Sul em 2024, o que reduziu o estoque. Foram comercializadas 22.881 unidades, alta de 11%. Porém, novamente, o Estado perdeu para Santa Catarina (49.168 unidades, +30%) e Paraná (29.469, +22,8%).

- Isso mostra confiança do consumidor de efetuar o desejo de comprar o imóvel, ainda que a taxa de juro estivesse alta - observa Araújo.

A redução no estoque de imóveis à venda, porém, tende a aumentar preços. _

Mais destaques do estudo da Brain serão divulgados pela coluna nas próximas semanas. No Rio Grande do Sul, a amostra da pesquisa considera 18 cidades, que concentram 43,3% da população gaúcha.

O juro deverá pisar no freio

Ao que tudo indica, a cautela com a inflação está dando espaço também à cautela com o recuo da economia. Com isso, as apostas são de que o Banco Central (BC) vai pisar no freio na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que será realizada na semana que vem.

A taxa de juro Selic está em 14,25% ao mês. As projeções eram de mais duas elevações, chegando ou até passando dos 15% que ainda aparecem na pesquisa Focus, feita pela autoridade monetária com o mercado financeiro.

Agora mudou, os discursos da direção do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) em Washington na semana passada foram bem mais "dovish" ("suaves"), no jargão econômico. A avaliação é de que a guerra comercial dos EUA vai reforçar uma desaceleração da economia que já se percebe, tirando a pressão da inflação. O presidente do BC, Gabriel Galípolo, também vê mais espaço para o Brasil exportar commodities, o que traz dólares ao mercado interno.

Em vez de 0,5 ponto percentual de alta, muitos mudaram a projeção para 0,25 ponto percentual e até zero. A concordância tem sido de que este deve ser o último aumento deste ciclo. Alguns já especulam um corte no juro ainda em 2025, mas ainda é cedo. _

BNDES quer ampliar prazo para empréstimos a empresas

Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante informou aos empresários em reunião em Porto Alegre que buscará aumentar o prazo para que se cumpra o requisito dos empréstimos da enchente de manter o número de funcionários. Atualmente, é maio. Com isso, bancos repassadores já estão notificando as empresas de que podem perder o crédito ou ter o juro elevado por retirada do subsídio.

Presente no encontro, o presidente da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari (CIC VT), Ângelo Fontana, conta ainda que Mercadante sugeriu que as entidades empresariais e de trabalhadores, governo do Estado e Assembleia Legislativa enviem ofício ao BNDES e ao Tribunal de Contas da União (TCU) com as justificativas para a dificuldade de cumprir as metas contratuais. Uma delas é a falta de mão de obra para preencher as vagas.

Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, o presidente do BNDES havia sugerido ainda que, embora demorado, se acionasse o Congresso para fazer o ajuste na lei, já que os bancos precisam cumpri-la. Já sobre ampliação do prazo, afirmou que isso pode ser feito via Conselho Monetário Nacional (CMN). _

Loja de cucas expande para shopping na Zona Sul

Com sede e produção no bairro Bom Fim, a Da Vó Cucas abrirá em junho loja de R$ 200 mil no Pontal Shopping, em Porto Alegre, com área externa onde clientes poderão sentar para consumir. A dona, Marla Kappaun, quer aumentar em 50% a venda atual de 5 mil cucas por mês. Sabores mais pedidos: doce de leite e uva. A de chocolate está saindo menos pela alta do preço do cacau. 

ACERTO DE CONTAS


29 de Abril de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Direto do Vaticano

A voz do papa para o mundo

Há um prédio no Vaticano onde Rússia e Ucrânia ficam a poucos metros um do outro e convivem em paz, onde o idioma predominante é o italiano, mas todos conversam em inglês, espanhol, português, e outras 37 línguas se for necessário. Há até algumas variantes. No caso da Índia, um país do tamanho de um continente, há, além do inglês, o malaialim, o tâmil e o hindi. São mais de 400 profissionais de 68 nacionalidades envolvidos 24 horas por dia em transmitir ao mundo as notícias da Santa Sé.

Essa é a Rádio Vaticano, a voz oficial do papa. Sua sede fica no final da Via della Conciliazione (a contar da Praça de São Pedro), de frente para o Castel Sant?Angelo, no prédio chamado Palazzo San Pio X.

A redação brasileira está a cargo do paranaense Silvonei José Protz. Nela trabalham sete pessoas. São três andares recheados de salas de redação - em geral, cada país (ou idioma) tem a sua -, estúdios de gravação, locução, técnica e edição de vídeos. No segundo andar também fica o L?Osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano.

Alinhamento

É de responsabilidade dos jornalistas da Rádio Vaticano e Vatican News narrarem ao mundo o que se passa atrás dos muros da Santa Sé. Nos mais de 40 dias em que o papa Francisco ficou hospitalizado, por exemplo, era por meio das postagens que saiam dali que os veículos de comunicação de todos os quadrantes calibravam a cobertura. Eram mensagens curtas, que se limitavam a reproduzir o boletim médico. Engana-se, entretanto, quem pensa que os jornalistas que ali trabalham têm informações privilegiadas. Quando se trata da saúde de um pontífice ou, agora, do conclave que elegerá o sucessor de Francisco, nem eles próprios dispõem de detalhes. Nesses dias de muito trabalho, inclusive a preocupação é unificar o discurso - o que não é fácil em meio a tantos idiomas diferentes e entre tantos profissionais.

Qualquer deslize pode comprometer a credibilidade e até criar uma crise entre a Igreja e alguma religião ou país. Ontem, enquanto a coluna visitava o prédio, ocorria uma grande reunião de alinhamento para a cobertura do conclave.

Para o Brasil, são três programas ao vivo em língua portuguesa. Com acesso livre intramuros, cobrem os eventos do Papa dentro e fora da Praça de São Pedro, audiências gerais, e distribuem imagens ao planeta. No estúdio mais moderno, com microfones e câmeras, receberam em maio de 2021 o papa Francisco, na única vez em que o Pontífice esteve na sede da rádio, em entrevista de 10 minutos. Uma eternidade em se tratando de um papa. _

Gaúchos trabalham na Rádio Vaticano

A manhã de 24 de maio de 2021 ficará marcada na história do gaúcho Jackson Erpen. Jornalista natural de Tapera, ele não imaginava que receberia nos estúdios da Rádio Vaticano, onde trabalha, a visita do papa Francisco. O momento já seria especial por se tratar da única entrevista que o Pontífice concederia à emissora, mas o gaúcho teve uma surpresa ainda maior: compartilhou um chimarrão com o Santo Padre.

Jackson, junto a outros colegas do Vatican News - emissora oficial da Santa Sé -, aguardava a chegada do Papa. Posicionado mais afastado que os demais, que estavam na primeira fila, o jornalista ergueu sua cuia. Imediatamente, Francisco foi ao seu encontro e pediu para tomar um mate.

- Fiz sinal com a cuia. Como sabia que não teria chance de saudá-lo pessoalmente, pensei em chamar atenção apenas para um cumprimento. Então ele veio em minha direção, disse que estava com sede e queria tomar um chimarrão. Ele não sabia que eu era gaúcho, e a primeira coisa que disse foi: "La hierba no es argentina" - relata Jackson.

O Pontífice também relatou que contava com conhecidos em Pelotas e já havia visitado a cidade em algumas ocasiões.

Mas Jackson não é o único representante do Rio Grande do Sul na Rádio Vaticano.

Andressa Collet, natural de Erechim, também tem histórias especiais com o Papa.

- Ele abençoou meu primeiro filho, Leonardo, que hoje está com sete anos de idade, quando ele tinha um ano. E nesta visita à rádio, eu estava grávida do Lorenzo e ele abençoou minha barriga - conta Andressa. _

Visita ao túmulo

A visitação ao túmulo do papa Francisco, na Basílica de Santa Maria Maggiore - Santa Maria Maior -, segue intensa. Ontem, a coluna levou quase uma hora na fila para ficar alguns segundos à frente da lápide. Não é tanto tempo assim. Não justifica a pressa dos funcionários do Vaticano e da Basílica, que apressam os visitantes, não permitindo que fiquem mais do que cinco segundos ali.

O local foi aberto no domingo. A igreja, que fica fora do Vaticano, era frequentada por Francisco sempre antes e depois de grandes viagens apostólicas. O espaço que antes era visitado por Francisco agora também reúne milhares de fiéis que prestam homenagens ao Papa. _

Escada Santa

Desde que chegou à Itália na terça-feira da semana passada, a coluna já foi testemunha de diversas demonstrações de fé no Vaticano e arredores. Um dos locais que mais chamou atenção foi a Scala Sancta (Escada Santa), na Via di Borgo Santo Spirito, onde fiéis sobem os longos degraus de joelhos em devoção. _

INFORME ESPECIAL

segunda-feira, 28 de abril de 2025


28 de Abril de 2025
CARPINEJAR

Minha primeira malfadada tatuagem

Quando escolhi a minha primeira tatuagem, não tinha muitos recursos. Entrei no primeiro estúdio de fundo de garagem que vi pela frente. Não dependia mais do consentimento dos pais, iria exercer a liberdade rabiscando na pele as minhas crenças e ideologias.

Ser livre não é, ainda, ser responsável. Descobri a diferença depois. Sequer pensei na finalização, na experiência prévia do tatuador, no seu catálogo de clientes, na sua perícia no lápis e no papel vegetal, apenas em pôr para fora a minha ideia e realizar o meu desejo. A pressa foi o meu álibi.

Precisaria ter meditado melhor, esperado amadurecer um pouco a decisão, baixar a testosterona, para não me deixar consumir pela ansiedade.

Poderia ter gerado uma colmeia de inspiração para os meus pares, compensando as pequenas picadas de abelha na minha carne, o sacrifício das vibrações da máquina de tatuagem. O sofrimento acabou sendo em vão.

Na estreia no divã da agulha, são grandes os riscos de esbarrar em clichês e não sair do óbvio: golfinho, anjo, beija-flor, coração, símbolo do infinito, mandala, borboleta, flor de lótus, caveira, estrela, âncora.

Hoje possuo 10 tatuagens. Aquela inicial e fundadora, no entanto, continua inesquecível no mau sentido: meu xodó do infortúnio, meu mascote da infelicidade, meu vínculo eterno com a cafonice e com a limitação pecuniária.

Já era feia desde que surgiu, na adolescência. Imagine atualmente, desbotada com o passar dos anos, com a perda da pigmentação e do colágeno. Por mais que eu enriqueça na vida, vou ostentá-la no braço para sempre.

Ela puxa o meu padrão, a minha média harmônica, para baixo. Não há como manter a elegância com camisa de manga curta.

Com a pele esticada, com o avançar da idade, ela está indecifrável. É como uma caligrafia cujas linhas saltam do seu lugar original e acompanham as rugas e as dobras.

Comecei errando ao eleger um escorpião, meu signo. Aliás, não conheço um horóscopo mais vaidoso. Você dificilmente verá geminiano homenageando seu período de nascimento, ou sagitariano, ou leonino. O escorpiano, por sua vez, quer mostrar para todos quem ele é. Jamais encontrei gente que gosta tanto de ser passional.

Só que o destino é que foi vingativo comigo.

Era para ser um escorpião, mas mais parece um molusco, um caranguejo, uma lagosta. No senso comum, virou uma paella de frutos do mar. Ninguém acerta o seu desenho. Talvez eu devesse colocar uma legenda.

Como poeta, sou apegado a meus erros. Não irei providenciar a sua remoção com o uso de tratamentos a laser. Não vale o investimento, muito menos a dor. Eu apenas não choro de arrependimento porque existem casos piores do que o meu. Os traumas alheios aliviam as minhas cicatrizes.

Um amigo, por exemplo, leva nas costas a tatuagem de um dragão que lembra agora um pavão depenado. O dragão ficou totalmente desbeiçado. Nem cospe fogo - foi engolido pelas cinzas. 

Como poeta, sou apegado a meus erros. Não irei providenciar a sua remoção

CARPINEJAR

 28 de Abril de 2025
CLAUDIA LAITANO

Janela indiscreta

Muito antes de a série Black Mirror virar metáfora para os nossos espantos tecnológicos cotidianos (quando alguém diz "muito black mirror!" em geral está se referindo a algo que, até ontem, soava como ficção científica) ou de a internet se tornar uma espécie de prótese acoplada aos nossos corpos e mentes, o diretor canadense David Cronenberg já explorava o lado mais sombrio da relação simbiótica entre humanos e máquinas.

São dele filmes como Scanners - Sua Mente Pode Destruir (1981), em que dois irmãos ganham a capacidade de ler e explodir mentes graças a um experimento científico, Videodrome (1983), em que a televisão é usada para alterar permanentemente a percepção dos espectadores, A Mosca (1983), refilmagem de um clássico do terror dos anos 1950 em que um cientista tem o seu DNA embaralhado com o de um inseto, Crash (1996), sobre a inusitada correlação entre acidentes de automóvel e fantasias sexuais, e o recente Crimes do Futuro (2022), sobre um artista que transforma a remoção de seus órgãos em espetáculo.

Em O Senhor dos Mortos (2024), que estreou há duas semanas aqui nos Estados Unidos, Cronenberg leva sua investigação sobre a invasão dos corpos pela tecnologia até a fronteira final: o túmulo. No filme, Karsh (Vincent Cassel) é um empresário inconformado com a perda recente da mulher, Becca (Diane Kruger), vítima de uma doença longa e debilitante (e em sendo um legítimo Cronenberg, não poderiam faltar os membros mutilados e as cicatrizes). Para ficar para sempre perto da amada, Karsh não apenas compra um cemitério como desenvolve uma janela indiscreta para o além, GraveTech, tecnologia que permite que as famílias acompanhem a decomposição dos seres amados, em tempo real, por meio de um aplicativo no celular.

Cronenberg, 82 anos, ficou viúvo em 2017, depois de 38 anos de casamento. De certa forma, parece ter espelhado sua dor no luto do personagem, com a vantagem de que, no cinema, sempre é possível tramar o destino de forma a encaminhá-lo para algo parecido com um final feliz. Como em alguns dos melhores episódios de Black Mirror (na última temporada, gostei de Eulogia e Pessoas Comuns), os filmes de Cronenberg refletem sentimentos ambivalentes em relação à tecnologia. Por um lado, temos medo daquilo que nos controla, escraviza, desumaniza, substitui. Por outro, mantemos a esperança, demasiado humana, de que algumas de nossas dores mais profundas um dia encontrarão alívio naquilo que ainda não foi inventado. _

Cronenberg, de certa forma, parece ter espelhado sua dor no

luto do personagem

Cláudia Laitano

28 de Abril de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

"RS pode ser um farol na adaptação à mudança climática"

Kayo Soares - Fundador e CEO da Arvut, empresa de consultoria ambiental e ESG, é oceanólogo, engenheiro civil e mestre em Oceanografia Física, Química e Geológica pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg)

Quando a chuva começou, entre o final de abril e o início de maio de 2024, Kayo Soares participava de audiência pública ambiental em Rio Grande. O risco interrompeu o processo. Um ano depois, vê avanços na consciência climática no Estado e até nas obras estruturantes, que considera as mais importantes. Mas alerta que é preciso acelerar com planejamento e vê na elaboração de projetos um desafio para o RS sair mais forte da catástrofe.

Depois da enchente no RS, cresceu a conscientização sobre mudança do clima, mas ainda há distância entre teoria e prática. É assim mesmo?

Movimentos costumam ser feitos depois de catástrofes. O Japão, apesar de ter um sistema de monitoramento, só foi aprofundá-lo após o tsunami de 2011. Muitas vezes as respostas só acontecem após o evento. Separo as ações em urgentes e importantes. O Plano Rio Grande (parcelas de pagamento de dívida que o Estado vai reter, em vez de pagar à União) tem ações emergenciais, estruturantes e de governança. Dos quase R$ 7 bilhões anunciados, a maioria é para ações urgentes, renovação de estradas. Uma pequena parcela é para ações estruturantes, as importantes, que fazem com que as catástrofes virem oportunidade para melhoria.

O que significa?

O RS tem uma situação particular. Antes, apesar de outros problemas, discutir mudança no clima no Brasil parecia etéreo. No RS, vimos a cara da mudança climática. Ações estruturantes ganharam importância, como mudança de matriz energética, maior preocupação com a pegada ecológica dos produtos que consumimos, infraestruturas resilientes. Vamos ter de trabalhar com a conscientização da população, que tem de entender como responder a outros eventos. Quem vive em áreas de vulnerabilidade terá de sair, teremos de construir caminhos seguros. Em um terremoto, os japoneses sabem o que fazer. No Brasil, quando tiver outra enchente, não. Temos de entender, é a realidade que vamos viver, principalmente no RS que deve ficar com o clima mais extremo.

Há lições da catástrofe?

O RS pode ser um farol para o Brasil na adaptação à mudança climática. Até a trabalhar com o conceito de justiça climática. As pessoas mais ricas, que demandam mais recursos naturais, sofrem menos quando ocorre um evento climático extremo. Quem sofre mais são as pessoas em vulnerabilidade, ou que estão em áreas mais vulneráveis, as que degradam menos o ambiente por menor consumo. A mudança climática no RS também gera perda de solo, desertificação, perda de biodiversidade. O trabalho precisa ocorrer de forma sistêmica.

Como pode se estruturar?

Nos países desenvolvidos, o nível de investimento em prevenção climática é muito maior. Mudança climática também é um ativo econômico, e se não for trabalhada, vira um passivo. Temos de cuidar do urgente, mas também planejar e implementar o importante. É o que vai nos fazer emergir da enchente mais resilientes e mais fortes. Não quero criticar nem apontar dedo, mas há obras urgentes que precisam ser feitas, e temos discussões que estão atrasadas.

A ficha caiu para todo mundo que tinha de cair?

Talvez não. Vemos certa disputa entre municípios, Estado e União, o que é danoso para o processo. E existe dinheiro a ser captado, por exemplo, em fundos internacionais climáticos. Alguns municípios conseguem captar, mas faltam bons projetos. Precisamos pensar como nos estruturar para captar os recursos disponíveis. Os bancos de fomento do RS tentam criar linhas de financiamento para transição energética, mas precisaríamos ter um escritório de projetos captando recursos internacionais. Ficamos pensando só no orçamento da União. Não tentar ampliar as fontes mostra que a ficha não caiu totalmente. Precisa de muito mais recursos, mas existem os que não acessamos por falta de articulação política, ou de interesse.

Formatar projetos é um problema para todos os governos?

Temos muitas empresas com capacidade de produção de projetos e muitas até com projetos já feitos no PAC. O Estado tem capacidade técnica na iniciativa privada ou nas universidades, para trabalhar de forma articulada com foco em ampliar as fontes de financiamento. Um exemplo: a fundação Boticário abre edital para projetos em municípios gaúchos atingidos, com foco em estruturas de engenharia ou baseadas na natureza, como barreiras verdes. Ou seja, existem ferramentas para não só construir, mas também focar na elaboração de projetos. Tem muito mais dinheiro fora do que o orçamento brasileiro seria capaz de aportar.

Um ano depois da enchente de maio, estamos no ponto certo ou atrasados?

Estamos dentro da média do Brasil. Temos dificuldade de dados para mapear exatamente quanto tempo leva até as respostas. Mas o Katrina aconteceu em 2005, e em 2012, veio o Sandy, outro furacão na mesma região e demonstrou falhas graves na gestão de risco. São sete anos. Como temos rubricas para saúde e educação, teremos de direcionar parte do orçamento para questão climática. O RS trabalhava, em 2024, com 0,1% do orçamento para a prevenção de desastres, enquanto países desenvolvidos, entre 1% e 5%. Depois surgiram receitas extraordinárias. Estamos trabalhando com a ideia de construção de um Estado mais descarbonizado, com ações estruturantes. Mas a rubrica ainda é uma porcentagem pequena do aplicado.

Vê ações estruturantes?

É preciso tomar cuidado, porque há oportunismo ou equívoco, e às vezes ambos. Uma das questões mais discutidas é a dragagem do Guaíba, mas estudos do IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) mostraram que, se tivéssemos toda a hidrovia com quatro metros a mais de profundidade, os efeitos em Porto Alegre poderiam ter sido piores, porque a enchente chegaria mais rápido. É essencial tanto para não trancar a economia quanto para termos um modal com menor emissão. As redes de monitoramento feitas no Jacuí, a reativação do radar de Pelotas: temos trabalhos estruturantes bem-feitos. Porto Alegre também tem uma sala de situação que monitora, agora, os dados todos integrados, modelagens hidrológicas e de meteorologia. Estão acontecendo, mas é preciso acelerar para que não seja um novo evento que nos mostre o que tínhamos de ter feito de proteção, de alerta ou de treinamento. 

GPS DA ECONOMIA

28 de Abril de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Recados geopolíticos do funeral

O funeral de Francisco, embora cheio de emoção, não deixou de ser, também, palco político. Primeiro o arranjo de quem sentaria com quem no altar da Praça de São Pedro. Entre confirmados, havia um ministro russo e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky; um embaixador de Israel e um ministro do Irã; Donald Trump e o rival Joe Biden.

Como acomodar toda essa gente em alguns metros quadrados, mesmo em espaço gigantesco? O Vaticano resolveu ser, com o perdão do trocadilho, salomônico: ordem alfabética, pelo nome do país em francês, a língua oficial da diplomacia. Só houve duas exceções: preferência aos reis, afinal o Papa também é monarca.

Logo, eles sentaram-se primeiro, seguidos por chefes de Estado, chefes de governo, membros da realeza e assim por diante, incluindo ministros e outras autoridades. Apenas os chefes de Estado da Itália, Sérgio Matarrella, e da Argentina, terra natal do Papa, Javier Milei, tiveram assentos privilegiados. Lula e Donald Trump, por exemplo, ficaram na primeira fila a umas 15 cadeiras de separação. O brasileiro disse que nem o encontrou.

Resolvida essa questão, o restante não estava muito sob controle. Nem os recados do celebrante, cardeal Giovanne Battista Re, que incorporou mensagens de Francisco:

- A guerra sempre deixa o mundo pior do que estava: é uma derrota dolorosa e trágica para todos.

Em clara alusão à questão migratória, declarou:

- Construir pontes e não muros é uma exortação que ele (Papa) repetiu muitas vezes.

A homilia destacou a importância dos imigrantes no pontificado de Francisco, com alusão à sua viagem oficial à ilha de Lampedusa:

- É significativa a primeira viagem do Papa ter sido a Lampedusa, ilha símbolo do drama da imigração, com milhares de pessoas afogadas no mar.

Reencontro após a crise

Porém, nenhum sinal foi tão significativo quanto a imagem que percorreu, em segundos, o mundo. Trump e Zelensky sentados frente a frente, diante do batistério da Basílica de São Pedro. Uma rápida reunião, antes do funeral, improvisada. Foi o primeiro encontro face a face entre os dois, que durou 15 minutos, após o dramático no Salão Oval da Casa Branca. Para muitos, a paz passa por São Pedro. Ou, quem sabe, tenha sido o primeiro milagre de Francisco. _

O "santo de calça jeans" que engaja milhares de jovens

Chamou atenção a grande presença de adolescentes na Praça de São Pedro para se despedir de Francisco. Essa "onda jovem", em grande parte, foi provocada não só pelo carisma do Pontífice, mas porque muitos adolescentes de várias partes do mundo estavam na Itália para a canonização de Carlo Acutis, que seria realizada ontem.

Com a morte do Papa, a cerimônia foi suspensa, e os jovens ficaram para os ritos fúnebres. Roma foi invadida por grupos de adolescentes, que tocavam violões pelas calçadas, dormiam nos túneis de acesso à Praça de São Pedro e deram um colorido especial e emocionante às cerimônias.

As irmãs Maria Rita Adami Ferrari, 20 anos, e Manoela Adam Ferrari, 15, chegaram à Itália com a mãe, Márcia, para a canonização.

- Parece que a santidade se torna mais real quando se vê alguém que usa os mesmos meios que a gente. É o santo de calça jeans - diz Maria Rita.

Manoela trocou a festa de 15 anos pela viagem:

- Falamos bastante sobre santidade no grupo de jovens, e o Carlo Acutis é uma imagem importante. É muito bom tê-lo como exemplo.

O padre Julio Marcelino dos Santos, reitor do Santuário das Mães, em Novo Hamburgo, concorda que a santificação ajudará a Igreja a atrair fiéis jovens. E acredita que o papa a ser escolhido deve reacender a canonização para 28 de julho, data em que será comemorado o Jubileu dos Jovens.

Nascido em Londres, Acutis viveu boa parte da curta vida entre Milão e Assis. Foi beatificado após a Igreja reconhecer um milagre atribuído a ele verificado no Brasil, em Campo Grande (MS), apesar de nunca ter vindo ao país. Uma criança com uma doença rara congênita teria se curado depois que o avô tocou as roupas do jovem expostas em uma paróquia de Campo Grande. Considerado "ciberevangelista" e "padroeiro da internet", Acutis morreu em Monza em 2006, aos 15 anos. _

Na Oração Universal, a brasileira Bianca Fraccalvieri, da Vatican News, leu em português:

- Pelos povos de todas as nações (...) que possam estar sempre unidos no mar fraterno e busquem incessantemente o caminho da paz.

O fato de Francisco ter escolhido a Basílica de Santa Maria Maggiore para o sepultamento passa mensagem de diálogo inter-religioso. O local é cheio de símbolos judaicos. No teto, figuras remetem ao Antigo Testamento - Torá dos judeus.

INFORME ESPECIAL