sábado, 1 de agosto de 2020


01 DE AGOSTO DE 2020
FRANCISCO MARSHALL

MARCHA, SOLDADO



...cabeça de papel. Todos lembramos dessa música marcial de imagens confusas, e que Francisco deu sinal. Ora não apenas a bandeira nacional prende fogo, mas a pátria toda, tomada por chamas letais, o coronavírus e a ignorância fascista. Enquanto a nação arde e a estupidez campeia, eis que soam trombetas e decretos com o teor daquela cantiga, e, onde cabiam providências lúcidas, o que se ouve é um tenebroso marcha, soldado com toada fúnebre. Francisco (o Buarque, e outros) deu sinal, mas parte da nação optou pelas tochas do ódio e a dura percussão de marchas militares. Eis a receita miserável com que o Brasil hoje encara seus desafios, mascara seus problemas e sufoca as soluções necessárias. O preço desse desatino é pago com mortes, desalento e decadência, enquanto a bandeira nacional é raptada para camuflar zumbis e ocultar o roubo do destino e da maior riqueza desta nação: as vidas de brasileiras e brasileiros.

Caso o aluno apresente problemas de aprendizagem, antes de se apurarem causas, seja subnutrição, falta de logística ou desafios metodológicos, o marcha, soldado provê solução simples: marchem, todos, para uma escola cívico-militar, e a disciplina e ritos cívicos tudo resolverão, com ordem e progresso. Vale o mesmo para o problema central do Brasil hoje, a maior crise sanitária de nossa história. Para que ciência, esclarecimento, comunicação, cooperação e eficiência em políticas de saúde? O marcha, soldado resolve tudo. Controlam-se as informações e atitudes, suprime-se o valor do conhecimento em favor da arrogância, e o inimigo está dominado, basta declarar vitória. Não faltará soldado para acudir, nesta hora em que todos ganham credencial instantânea e plena em qualquer ofício, e milhares de empregos públicos vantajosos de Norte a Sul.

Chega-se, então, à face nada infantil da cantiga. Para onde marcham os soldados hoje? Para onde querem levar a nação em chamas? Recentemente, autoridades militares desdenharam, ofendidas, o alerta de juiz do Supremo, sobre sua responsabilidade no genocídio em curso. Crescem as evidências de que negligência, erros políticos e culturais, improbidade e outros delitos estão relacionados à morte de milhares de pessoas; isto é genocídio: mortes em massa, por ação política. Enquanto isso, não cede a marcha em busca de contracheques engordados, usurpando-se posições que caberiam a especialistas. Generais tornados soldados de um tenente proscrito, para onde marchais? O amor às vantagens e a ambição de poder são maiores que a honra e o valor cívico?

Há um ponto em que poderes militar e religioso se encontram, e não é apenas na ausência de luzes. Na psicologia das massas, há carência de autoridade patriarcal, disciplinadora, e, por isso, atribui-se poder mágico ao Estado repressor ou à cura milagreira. Eis a base do atual governo. Pela ótica do Estado e da nação, todavia, essa ilusão é desprezível, mero acidente da demagogia, jamais critério para a função pública.

Marcha, soldado, para seu devido lugar. Queremos sobreviver.

FRANCISCO MARSHALL

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