quinta-feira, 2 de outubro de 2008



Jô na Estrada - capítulo 1

Aos 33 anos, Jô experimentava o auge da beleza. A maturidade, em vez de lhe murchar a pele, dera personalidade às linhas do seu rosto.

O marido, Fábio, era o único homem que já a tocara na vida. Embora fosse 20 anos mais velho, a conhecia desde a infância. Tinham sido vizinhos, Fábio a vira crescer, mas olhava-a como a uma criança.

Um dia, quando ela já tinha 17 anos, Fábio a viu chegando em casa às duas da madrugada de um sábado. Jô movia-se com graça dentro de um vestidinho roxo, curto, suave como uma noite de primavera. E botas pretas. Fábio adorava botas pretas. Sentiu a boca secar.

Ficaram conversando até de manhã. Despediram-se com um beijo na boca. No dia seguinte, começaram a namorar. No início foi um escândalo entre as duas famílias e no bairro inteiro. Depois, todos se acostumaram a vê-los juntos. Namoraram, casaram, tiveram filhos. Dois. Alice, de 13 anos, e Pedro, de 12.

A vida de Jô parecia perfeitamente ajustada e estável. Uma vida de dona de casa moderna, que ia à academia todos os dias, dispunha de empregada doméstica e ganhava algum dinheiro fazendo pequenos trabalhos como free-lancer para revistas e assessorias de imprensa, jornalista que era.

Sim, tudo ia muito bem na sua rotina. Até que ela resolveu ir embora.

Bem. Ir embora é uma imprecisão. Jô decidiu sair. Queria viajar sem rumo, sem planos, sem destino fixo e sem telefone celular. Queria aventurar-se uma vez na vida. Queria ter o dia só para ela.

Não deixara de gostar do marido, embora não soubesse se ainda o amava. Também não tinha nenhum problema com os filhos ou com a vida em família. Nada disso. Jô queria apenas ser ela mesma, e só ela, pelo menos por algum tempo.

Quanto tempo? Não sabia. Sua idéia era pegar o carro, algumas roupas, um dinheiro que havia economizado, e ganhar a estrada.

— Para onde? — insistia Fábio, angustiado, quando ela comunicou suas intenções à mesa do jantar. Passava da meia-noite e os filhos estavam dormindo.

— Não sei... — Jô sorveu um gole do tinto que havia regado o jantar. — Só quero sair por aí, sem destino...

— Mas é perigoso, Jô! — Nunca fiz nada perigoso. Qual foi o escritor que disse que viver é perigoso, ou não é nada?

— Filosofia numa hora dessas, Jô?!

— Não estou fazendo nada de errado — Jô continuava calma, apesar de a irritação de Fábio ser crescente.

— Só está nos abandonando, só isso! — Não estou fazendo nada disso. Encara a minha decisão como umas férias.

— Sozinha! Para lugar incerto e não sabido! Incomunicável! — Só por um tempo...— Quanto tempo??? — Não sei, já disse!

Fábio se levantou, irritado. Foi marchando para o quarto. Não se falaram mais até a manhã seguinte.

A despedida foi emocionada, não poderia deixar de ser. Jô tentou ser breve, procurou não ser compassiva demais. Não adiantou. Mesmo tendo dito aos filhos que ia apenas tirar umas férias, eles suspeitaram de que havia algo estranho no ar.

Alice começou a chorar, Pedro também. Logo estavam todos chorando abraçados. Mesmo assim, Jô teve forças para se despegar deles, embarcar no carro e sair.

Dirigia chorando. Em alguns minutos, estava na estrada. Abriu o vidro da janela, sentiu o vento no rosto e aquilo foi como uma bênção. Percebeu que, pela primeira vez na vida, podia se considerar realmente livre. Sua aventura estava apenas começando.

O que aconteceu depois? Saiba logo. No próximo capítulo de Jô na Estrada.

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