08 de outubro de 2008
N° 15752 - DAVID COIMBRA
Essa é a história de um homem mau
Alguns homens têm de ser maus. O zagueiro é um. Zagueiro que é zagueiro não ri.
Verdade que um dos maiores zagueiros do Brasil em todos os tempos, o grande Mauro Galvão, não era mau; era inteligente. Mauro Galvão, bastava parar na frente da área para fechar quatro ou cinco corredores para os atacantes. Isso só de parar.
Na hora de tirar a bola, Mauro Galvão não tirava com o pé; tirava com o poder dedutivo. Mauro Galvão usava a suavidade para jogar, não a maldade. Mas rir também não ria. Quando estava dentro de um calção e sobre as travas de uma chuteira, era sério e silencioso feito um jaguar antes do bote.
Maus eram os irmãos Pontes, do Gaúcho de Passo Fundo. João, Daison e Bibiano Pontes. Jogavam rosnando e de dente rilhado. Bibiano. Nome bem gaudério.
Que nem o do meu pai, Gaudêncio. Nome de macho. Meu pai era do Alegrete, derrubava um boi pelas guampas. Se jogasse bola, seria zagueiro. Hormain, nome do pai do meu amigão Amilton, também é nome de macho, e seu Hormain também é do Alegrete.
Sabe como se chama a mulher dele, não por acaso mãe do meu amigão Amilton? Oraides. Outro nome gaudério. Lá no Alegrete até nome de mulher é nome de macho.
O Bibiano esse foi para o Inter nos anos 70. Jogava narrando o jogo. – Cruzamento da direita... Tiiiira Bibiano Pontes! Que lance sen-sa-cio-nal deste zagueiro!
Quando o atacante ia para cima dele, Bibiano Pontes gritava:
– Por que tá vindo pra cima de mim??? Vai pra cima do Figueroa, que ganha muito mais do que eu!!!
Figueroa. Tão mau quanto Bibiano. Mais, até. Figueroa, se jogasse hoje, seria a alegria daquele procurador do STJD. É que Figueroa desenvolveu especial predileção por dar um soco na cara do atacante logo no começo do jogo.
– Nenhum juiz expulsa nos primeiros 10 minutos – justificava.
E tinha o cotovelo, claro, todo mundo sabe que o Figueroa era especialista em dar cotovelaço no meio da cara dos centroavantes que ousassem passar por ele.
Ó: Tarciso, o Flecha Negra, na final do Gauchão de 75. Zero a zero, jogo na prorrogação, e o Tarciso arranca do meio do campo, tendo entre ele e o goleiro Manga apenas Figueroa. Bem. Figueroa não era exatamente um velocista. Não tinha como deter Tarciso.
E Tarciso se foi e se foi e se foi e ia zunindo rumo ao gol inevitável, até que Figueroa, PAM!, quebrou-lhe o nariz com um cotovelaço. Tarciso saiu de campo sangrando. Em compensação, foi eleito vereador de Porto Alegre no domingo passado, embora seja provável que uma coisa não tenha a ver com outra.
Tarciso veio para o Grêmio num troca-troca explosivo para a época. Por ele, rapazote mal egresso da adolescência, o Grêmio cedeu ao América do Rio dois jogadores de Seleção: o ponteiro-direito Flecha e o centromédio Ivo Wortmann, o “Coração de Leão”, hoje técnico do Juventude.
O Grêmio estava muito ansioso para fazer esse negócio, porque num jogo entre América e Inter Tarciso venceu exatamente Bibiano Pontes na corrida, e havia uma lenda de que atacante algum vencia Bibiano Pontes na corrida. Em Porto Alegre, Tarciso continuou passando por Pontes, mas, você já sabe, havia um cotovelo no meio do caminho.
O reserva de Pontes chamava-se Hermínio. Outro nome de macho. Outro zagueiro mau. Mas Hermínio perto do Orcina era uma bandeirante virgem.
Orcina! Isso sim é nome gaudério! Centromédio do Bagé, inimigo de tíbias e perônios. Passou pelo Grêmio, quebrou alguns ossos e seguiu carreira. Como Orcina só vi um: Cabral, lateral-direito do Canarinho.
O ponta inimigo, se quisesse ir para casa andando sobre suas duas pernas inteiras, não ia à linha de fundo, com o Cabral pisando na grama do Ali Pedro.
Isso na várzea. Nivaldo não jogava na várzea. Nivaldo era profissional. Central do Próspera de Criciúma. Chamavam-no Churrasco, devido ao que fazia com os centroavantes. Quando estourava uma briga em campo, Nivaldo ficava de lado, só olhando. De repente ele ia lá. Gritava:
– Tô indo!
O bolinho abria. Imagina encarar o Churrasco.
Agora: sem loas à violência. É que o mau é decidido, o mau não vacila, o mau vai lá e faz sem considerações. Tipo esse zagueiro Thiego, do Grêmio. Será um dos melhores zagueiros do país, em pouco tempo.
Sei disso. Por que sei? Pela cara de Thiego. Thiego tem cara de mau. Zagueiro que é zagueiro é mau. Alguns homens têm de ser.
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