quinta-feira, 29 de novembro de 2007



29 de novembro de 2007
N° 15433 - Leticia Wierzchowski


Um vazio na minha janela, parte 2

Dia desses, movida pela tristeza das casas vazias esperando demolição na rua ao lado da minha, escrevi um texto que me rendeu muitos e-mails.

Ao que parece, há uma legião de pessoas em Porto Alegre sofrendo com a verticalização descontrolada da cidade - esses altos e desengonçados prédios que sobem contra o azul como uma espécie de vírus muito contagioso e incurável...

Da mesma forma, são muitos e muitos os que deixaram para trás as espaçosas casas de outrora, com seus pátios ensombreados e seus portões que rangiam (ah, os poemas do Quintana!), por medo da violência, essa outra grave doença que nos acomete.

Exatamente hoje as duas casas da rua dos fundos - onde, nos últimos anos, eu via as crianças brincarem e ouvia seus risos subirem feito pássaros até minha janela - começaram a ser demolidas.

Acabaram-se os latidos do labrador cor de mel: acordamos mais tristes com o ruído das telhas atiradas ao chão, e o vazio da minha janela tornou-se mais palpável: já uma das casas perdeu seu telhado e mostra suas entranhas ao céu como um triste cadáver dissecado no azul da manhã de sexta-feira.

Com o perdão do clichê, esse é o começo de um final. Mais do que a paisagem alegre, aqui em casa ficarão para trás o sol matutino e o silêncio entrecortado de passarinhos que nos brindava ao alvorecer.

Meus filhos, o que agora dorme e o que virá, conhecerão o barulho das fundações e o matraquear incessante dessas máquinas que parecem dinossauros de aço.

E eu, o que me resta? Vou procurar nas páginas amarelas uma dessas empresas de vidros anti-ruídos - que palavra mais feia, e ainda por cima composta!

Pois no meio de tudo isso, uma coisa bonita brinda a minha tarde: entre meus e-mails, um achado. Recebo notícias da vizinha que não conheci, cuja vida transcorreu durante anos, junto com o marido, os três meninos e a cachorra Meg, numa dessas duas casas que ora pranteio.

Ela me escreve dizendo que deixou para trás a casa paterna, onde criou os filhos e foi muito feliz, por simples medo do barulho de um prédio que estava por vir. A partida deles deixou a rua mais triste, e aumentou as proporções do prédio em questão. Mas vão-se os vizinhos, ficam as boas histórias.

O e-mail dela me comoveu às lágrimas e, por alguns instantes, enquanto eu lia dos três meninos e da vida que ora levam em alguma casa numa zona mais serena da cidade, o bulício alegre chegou outra vez aos meus ouvidos, e eu quase pude ver, como outrora, o mais pequerrucho deles, loirinho, dando os primeiros passos no quintal verde que agora é um cemitério de telhas quebradas.

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