sábado, 24 de novembro de 2007



24 de novembro de 2007
N° 15428 - Cláudia Laitano


Fisiognomia

O que Courtney Love, Michael Jackson e Michael Moore têm em comum? Aparentemente, a aparência. Os três encabeçam a lista das 25 celebridades mais feias do universo pop, sacanagem elaborada pelo site de humor americano Campus Squeeze e divulgada na semana passada pelas agências internacionais de notícias.

No panteão dos jaburus, sobra espaço até para estrelas de cinema como Renee Zellweger, Sarah Jessica Parker e Kirsten Dunst - a coisa não tá fácil para ninguém.

Claro que uma lista desse tipo não perderia a chance de tripudiar um pouquinho mais: a título de justificativa, cada celebridade foi brindada com duas ou três linhas que ressaltam seus aspectos mais repugnantes - caso o leitor de bom coração tenha ficado com alguma dúvida.

O curioso dessas legendas, além da violência (como se a esquisitice alheia fosse quase uma ofensa pessoal), é perceber como a feiúra é mais fácil de ser glosada do que a beleza.

Diante de um rosto bonito, qualquer descrição acaba esbarrando no que a beleza tem de essencialmente indizível. Já o feio é concreto, facilmente apreensível, mesmo ao olhar mais distraído, e portanto mais simples de descrever.

Se topássemos com o Corcunda de Notre Dame, qualquer um de nós seria capaz de listar cada detalhe horripilante - e a descrição seria suficientemente eloqüente para falar por si mesma. Já diante da Vênus de Botticelli ou da vizinha graciosa do apartamento ao lado o conjunto de detalhes não nos transporta para o todo.

E mesmo que fôssemos capazes de descrever cada filigrana de um rosto que consideramos perfeito, ainda assim isso não explicaria por que esse nos parece mais belo do que tantos outros tão bonitos quanto. Talvez por isso filósofos e artistas tenham escrito tantos ensaios tentando entender a beleza - e tão poucos sobre a feiúra.

Qualquer um que já ficou mudo, excessivamente falante ou apenas mais bobo do que o normal diante da beleza de alguém sabe que os sentimentos que um rosto bonito desperta são em grande parte irracionais.

E não falo aqui apenas de desejo, que é irracional pela própria natureza, mas do cacoete de antever qualidades onde só o que se apresenta, a princípio, é a beleza.

Claro que essa primeira impressão pode não resistir a dois dedos de prosa, mas o fato é que essa breve fantasia é potencialmente capaz de decidir se uma pessoa vai entrar ou não no último bote do Titanic - e isso obviamente faz muita diferença na vida de qualquer um.Não é muito justo, mas pouca coisa na natureza é.

Se os belos desfrutam das vantagens (e do peso) da fantasia alheia, os feios suportam maldições que mudam conforme a época e a cultura, como aprendemos no novíssimo livro de Umberto Eco.

Depois de publicar a História da Beleza em 2004 - livro, paradoxalmente, um tanto sem graça - o escritor italiano lança agora a irresistível História da Feiúra.

Ilustrado por obras de arte, o livro mostra como o feio vem sendo retratado através da história, do mundo clássico ao universo pop, passando pelas bruxas da Idade Média e pela teoria renascentista da "fisiognomia" - pseudociência que associava traços do rosto a características como burrice, violência ou fraqueza moral.

Exatamente como aquele site americano fez 500 anos de civilização depois.

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