quinta-feira, 22 de novembro de 2007



POR QUE NÃO TE CALAS?

Até o bate-boca do rei Juan Carlos com Hugo Chávez eu não sabia qual era a serventia de um monarca. Agora, já sei. Um rei serve para mandar um idiota calar a boca. Mas aí é que surge o problema. Vamos dizer que se trata de um problema semântico.

Ou, simplesmente, de uma questão de tradução. Será que esse 'por que não te calas?' quer dizer exatamente 'cala a boca' ou, em francês, 'ferme-la, boucle-la'? Um rei, em princípio, não diz publicamente coisas grosseiras.

Em outras palavras, mesmo diante de um grosso, um rei questiona: por que não te calas? Que deve fazer o tradutor: contentar-se com a literalidade da expressão em espanhol, tão próxima do português – por que não te calas? – ou dar-lhe a forma que tomaria se tivesse sido dita em bom português, por exemplo, por Luiz Inácio: cala a boca, fecha o bico, fecha essa matraca, engole essa língua, etc.

Nosso presidente, no seu melhor estilo magnânimo de estadista feliz consigo mesmo, justificou o parceiro Hugo Chávez, elogiou o seu pendor democrático e considerou o incidente pouco importante. O interessante é que um malcriado como Hugo Chávez acaba por dizer algumas verdades evidentes: quem elegeu Juan Carlos?

Chávez considera o seu reinado mais legítimo, visto que o conquistou pelo voto, ainda que seja o voto de eleições sob encomenda. Talvez Chávez não seja um bom leitor de Jean-Jacques Rousseau. A legitimidade de um governante é a expressão da vontade geral.

Se um povo soberano reconhece-se num monarca, então o voto não tem qualquer importância. Chávez, porém, por fanfarronice, poderia perguntar: e se um povo soberano legitima o seu ditador, esse ditador torna-se legítimo?

Michel Maffesoli esteve em Porto Alegre, onde falou no Fronteiras do Pensamento e participou de uma banca de uma orientanda minha na PUC. Para vir, precisou deixar de ir a um almoço com os presidentes Nicolas Sarkozy e Hugo Chávez, em Paris. Pena. Se tivesse ido, saberíamos certamente mais sobre o rei da Venezuela.

Bem-feito para as elites venezuelanas! Hugo Chávez é o mais puro produto da burrice e da ganância dos que sempre dominaram a Venezuela, um país rico em petróleo, misses deliciosas, corrupção e miséria.

A turma que hoje enxovalha Chávez e lamenta o ocaso da democracia é a mesma que nunca se importou com justiça social, igualdade e democracia. Era uma cambada de parasitas chupando o sangue da plebe sem dó nem piedade.

Quem conhece as favelas penduradas em torno de Caracas sabe que o Rio de Janeiro pode ser um paraíso. Soa, portanto, estranho que o rei da antiga metrópole venha mandar o chefe de Estado de uma ex-colônia calar a boca.

Não seria de bom tom que a cada dez anos o rei de qualquer país pedisse um plebiscito para saber se a população desejaria continuar brincando de monarquia como quem brinca de casinha num reino encantado, com fada, rei, rainha, príncipe, princesinhas e um ogro venezuelano?

Hugo Chávez é uma espécie de bobo da corte. Cabe-lhe tirar o rei do sério dizendo-lhe verdades que os demais apenas ousam pensar. A vida sem gente como Romário, Edmundo, Hugo Chávez e agora Juan Carlos seria muito monótona.

A mídia não teria o que falar sem eles. Alguém precisa sugerir ao príncipe Charles que mande alguém calar a boca de vez em quando. Assim ele se tornaria bem mais útil para a sociedade globalizada.

Apesar de tudo o que eu disse aqui, Hugo Chávez caiu ainda mais no meu conceito. Eu esperava que uma pergunta chocante como essa – por que não te calas? – fosse feita por ele ao rei da Espanha, a Bush e a outros.

O mais inquietante ainda é o seguinte: quem vai fazer essa mesma pergunta a Luiz Inácio? É realmente uma pena que Portugal não seja mais uma monarquia.

juremir@correiodopovo.com.br

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