terça-feira, 27 de novembro de 2007



27 de novembro de 2007
N° 15431 - Luís Augusto Fischer


Tropa de Elite, povo e classe média

Uma patada nos peitos o filme de José Padilha, não?

Grande filme, daqueles que corre o risco de virar símbolo de nosso tempo, nossa geração sob um sol compartilhado, como ocorreu (a associação não será gratuita) com Pixote, com Carandiru (dramaturgicamente menos estruturado do que podia), com Cidade de Deus.

Lembrei de Nelson Rodrigues comentando Terra em Transe, de Glauber Rocha. Não por afinidades estilísticas, nem por vanguardismo, mas pela eficácia comunicativa dos dois filmes, cada qual em seu tempo e com suas questões.

Dizia o cronista que de vez em quando a arte precisa desses vômitos triunfais, porque é o único jeito de dizer o que precisa ser dito.

Nos anos 1960, era o Brasil confrontando-se com seu sonho de país do futuro, mergulhado no subdesenvolvimento, recém-conscientizado pela classe média; nesses nossos anos pós-Guerra Fria, é o Brasil vendo o horror da vida real do pobrerio metropolitano, entalado entre a pobreza extrema, a submissão às exigências midiáticas de consumo e, na ponta dinâmica, o tráfico de drogas, chance real de livrar-se das duas primeiras, ainda que à custa da morte jovem.

Uma das sensações mais poderosas que o filme gera, nem sempre racionalizada pelo espectador, nasce da enorme série de laços sociais cotidianos que a narrativa explicita (não inventa: retrata realisticamente), entre os pobres e as classes confortáveis, com a mediação do Estado, naquele caso a polícia carioca.

Não há como sair do cinema desvestindo o filme, tirando-o do corpo assim na maior, como se fosse um drama apenas dos brasileiros lá de baixo, ou tivesse vindo ao mundo num remoto ponto de outro país.

Não: aquilo ali que passa na tela fala com o umbigo de cada um de nós, que mesmo não usando drogas, nem estando no Rio, vivemos coisa parecida.

Nem falar da sinuca histórica em que nos mete, o filme, ao expor tão desabridamente a entranhada corrupção daquele serviço público, tanto quanto a falta de perspectiva acerca da droga, do universo em que ela se move, contrabando, armas, consumo para diversão, vício, corrupção.

Alguém aí sabe bem o que se deve fazer? Legalizar? Tentar frear o consumo com base em preceitos morais? Alguém tem propostas estruturais? Alguém de nós tem cobrado posições dos candidatos a cargos políticos? E das autoridades judiciárias?

Se um filme gera tal repertório de questões, é porque ele vale a pena, e não pode ser descartado do horizonte com comentários banais, de avestruzes históricos, como aqueles que quiseram imputar fascismo ao diretor.

Em Pixote, Carandiru e Cidade de Deus, podíamos alegar que a coisa não era conosco, que fazemos as três refeições desde que nascemos; agora é.

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