
03 de Julho de 2025
CARPINEJAR
De renguear o cusco
Porto Alegre amanheceu com 2ºC ontem. E era uma das cidades mais quentes no Rio Grande do Sul. Pelo menos 20 municípios registraram temperaturas negativas, conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Dom Pedrito, na Campanha, teve -4,3ºC, seguida de São José dos Ausentes, com -4,2ºC, e Cambará do Sul, com -3,7ºC. Dizem que o homem fica mais elegante no inverno. Desde que o frio seja moderado. Não esse desespero em que nada combina com nada e acabamos mais bagunçados do que cusco na janela do carro.
São tantos acessórios que você perde a uniformidade da cor, ou a harmonia da textura. É gorro, é cachecol, é poncho em cima da roupa de lã, é ceroula, até você se tornar um astronauta encalhado. Há a preguiça de tomar banho, tanto para enfrentar a atmosfera lúgubre do banheiro quanto para tirar as camadas de cebola de si mesmo.
A vontade é colocar luvas nos pés, meias nas mãos, usar cobertor como capa sem se importar com as franjas. Extraviamos o senso estético, a noção de ordem. Viramos de cabeça para baixo.
Abre-se a porta da geladeira para se aquecer. Não conseguimos falar de outra coisa. Podemos ligar o ar-condicionado e ainda assim dormir com bolsas de água quente. Podemos nos ajoelhar diante do fogão a lenha e ainda assim tiritar de arrepio.
Não temos cidades adequadas para suportar as baixas temperaturas. Aqui é cada um por si, e a oração por todos os lados.
Em Copenhague (Dinamarca), Helsinque (Finlândia) e Berlim (Alemanha), por exemplo, predomina a tradição da calefação urbana, uma central térmica que distribui aconchego por tubulações subterrâneas para as casas. Os prédios, sobretudo os públicos, são equipados com sistemas de aquecimento hidráulico ou a gás, que democratizam o calor por radiadores em todos os cômodos. Há isolamento térmico nas paredes, janelas e telhados, vidros duplos ou triplos (com câmara de ar) que conservam o ambiente aquecido, há teto baixo e menos áreas abertas em comparação com nossas construções, ajudando a combater os ventos.
A nevasca é capaz de paralisar os serviços de nossas comarcas, suspendendo aulas e atendimento ao público. Já nas capitais europeias, o transporte, a coleta de lixo, a entrega de alimentos e a mobilidade são assegurados, pois o clima não é tratado como surpresa, mas como um dado normal da realidade.
Você verá sal nas ruas (sal-gema ou cloreto de sódio), pois reduz o ponto de congelamento da água, impedindo que a neve ou a chuva congelem ao tocar o solo. Evita a formação de gelo preto (black ice) -uma fina camada escorregadia e invisível que causa muitos acidentes. O material é posto por caminhões equipados com espalhadores de sal.
Para os carros não patinarem, são adotados pneus especiais, feitos com borracha mais macia, com sulcos mais profundos. Alguns têm pregos (studs), pequenos pinos metálicos embutidos que cravam na pista, aumentando a aderência.
As prefeituras possuem, em sua frota, uma série de máquinas: Snow Plow, que empurra a neve acumulada para os cantos das ruas, como se fosse um arado; Snow Blower, que sopra ou lança a neve para fora da calçada, jardim ou pátio; e Snow Groomer, tratores para neve fofa, mais frequentes em estações de esqui.
A responsabilidade de limpar a calçada é do morador. Não tem como deixar para depois. Existem prazos estipulados por lei, geralmente até as 8h do dia seguinte, sob pena de multa.
É uma lição de convivência com o inevitável, não de resistência teimosa, como no nosso caso. Estamos sempre propensos ao azar. Essas capitais não tentam vencer o inverno, mas se organizam para passar por ele.
Daí a elegância é possível. A dignidade se mantém acesa. E os abraços são mais sinceros, não uma forma de se esquentar a qualquer custo.
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