03 DE MAIO DE 2023
MÁRIO CORSO
A (in)certeza que a natureza nos dá
O mundo mudou e levou as certezas. Quanto ao sexo, antes seria homem ou mulher e só. Foi a modernidade que trouxe essa confusão de siglas, que tantos ignoram ao que remete. Muitos sentem saudade do tempo em que pretensamente a natureza imperava, pois nela não haveria essas variações bizarras. Correto?
Mais ou menos. A natureza não é um porto seguro para nossas angústias classificatórias. Nela, não é incomum encontrar dois tipos de gênero masculino para um feminino. Ou seja, a mesma fêmea reproduz com dois machos de morfologia e, portanto, cargas genéticas distintas. A ave rufo (Calidris pugnax) exagerou e possui quatro sexos, um feminino e três variantes masculinas.
São muitas as possibilidades de arranjos. O pardal-de-pescoço-branco (Zonotrichia albicollis) é outro que possui quatro versões. O máximo observado de gêneros para uma espécie são cinco. Quem leva o prêmio é um lagarto, o Uta stansburiana, com três versões de machos e duas de fêmeas. Os machos apresentam cores e estratégias reprodutivas marcadamente distintas. Não sei como eles entraram na arca de Noé, talvez os cinco, lado a lado.
Peixes e moluscos trocam de sexo atendendo a necessidades grupais. Quando há desequilíbrio, uma parte corrige mudando de sexo. No filme Jurassic Park, o descontrole que destrói o parque é fruto desta questão esquecida. Os cientistas projetaram geneticamente apenas machos, para evitar problemas. Estamos no território da ficção, mas seria naturalmente possível o desfecho do filme em que alguns machos viram fêmeas e se reproduzem.
Inúmeras espécies nascem hermafroditas - com características dos dois sexos. Também temos os ginandromorfos - onde um lado da simetria do corpo é macho e o outro é fêmea. Como nas abelhas, nos ratos-toupeiras, a maioria dos machos e fêmeas são sexualmente nulos.
O comportamento homossexual entre animais é bem documentado. Os leões, em nosso imaginário, ocupam um lugar de força e majestade. É estranho ver alguns com relações duradouras com outros machos. Entre os chimpanzés, são as fêmeas que podem fazer ligações da vida inteira.
Portanto, invocar a natureza para defender construções sociais de papéis de gênero carece de fundamento, é desconhecer a intrincada e incrível pluralidade dela. Deduz-se que o uso da palavra "antinatural", tendo visto a natureza polimórfica dos gêneros, biologicamente não faz sentido.
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