quarta-feira, 11 de março de 2020


11 DE MARÇO DE 2020
NÍLSON SOUZA

O feitiço da desatenção

Houston, we have a problem. Houston, Nasa, Apple, Microsoft, Samsung, seja lá quem for. Não sei bem para quem apelar nem em que idioma, mas a verdade é que nós, os Sapiens, temos realmente um problema comportamental - além de outros igualmente desafiadores como o vírus coroado que aterroriza o planeta. Refiro-me à telinha luminosa que rouba a nossa atenção como um feitiço tecnológico devastador.

Na semana passada, meu carro foi atingido pelo veículo que vinha atrás, num desses engarrafamentos diários de Porto Alegre. Foi uma batida razoavelmente forte para as circunstâncias, pois era uma daquelas tranqueiras de trânsito paralisantes. O choque provocou duplo estrago. Desci para ver e o jovem motorista do veículo causador do acidente pediu mil desculpas, alegou que o suporte do celular havia se desprendido e ele se abaixara para juntá-lo - sem, evidentemente, tirar o pé do acelerador. O rapaz trabalha para um desses aplicativos prestadores de serviço de transporte. Usa o celular profissionalmente, inclusive e principalmente enquanto dirige. Pode isso, Arnaldo?

Não pode, pelas regras do trânsito, mas todo mundo - com as exceções de sempre - faz a mesma coisa. Profissionais e amadores. Você para num semáforo e o carro da frente demora para arrancar quando o sinal abre. Na linguagem turfística, pule de dez que o sujeito está consultando o celular, digitando uma mensagem rápida ou visualizando um vídeo engraçadinho. Outros atendem ligações, falam com o veículo em movimento, alguns até tiram uma das mãos do volante para digitar, sem desacelerar. Utilidade e maldição, o aparelho provoca uma sensação de urgência inadiável. Pensava que era paranoia de um condutor analógico, mas, quando cheguei à oficina para consertar o carro e contei a minha história, o mecânico me confirmou:

- Mais de 90% dos reparos que faço resultam de batidas por causa do uso do celular.

Claro que isso não é uma pesquisa científica, mas, pelo que a gente consegue visualizar através dos vidros escuros, parece ser a realidade. Estou convencido de que o uso do celular já é mais perigoso nos automóveis do que nos aviões - a não ser, é claro, que o piloto também resolva consultar suas mensagens na hora da aterrissagem.

Já não duvido mais nada desse aparelhinho indispensável para a comunicação, mas que parece ter roubado para sempre a atenção e a concentração dos humanos.

NÍLSON SOUZA

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