sexta-feira, 30 de agosto de 2019



30 DE AGOSTO DE 2019

DAVID COIMBRA


Um homem de 350 quilos


Vi um programa de TV sobre pessoas muito gordas. Um dos personagens da reportagem tinha 31 anos de idade e 350 quilos. Ele mal conseguia caminhar e passava de lado pelas portas. Quando caía, só levantava de novo se quatro homens viessem ajudá-lo. Seus pés pareciam dois mamões papaia, era preciso rasgar uns crocs para calçá-los.

Eles filmaram o gordo pelado, lavando-se. Uma visão espantosa. Gigantescas dobras de gordura desabavam-lhe costas e barriga abaixo. Ele provavelmente não enxergava o próprio pênis havia anos. Nem olhando-se no espelho conseguiria vê-lo, porque a massa de gordura descia até as coxas.

Eu não tirava os olhos da TV, assustado. O gordo procurou um médico em Houston, Texas, para fazer uma cirurgia de diminuição do estômago. Ele morava no Tennessee, e a viagem duraria 15 horas de carro. A mãe do gordo dirigiria - para ele seria impossível acomodar-se atrás do volante. Ela também era bem gorda, mas não tanto, calculo que pesasse uns 150 quilos.

Bem. O gordo não caberia no banco de um carro comum, então eles improvisaram uma cama na parte traseira de uma van, onde ele se instalou com dificuldade. E lá eles se foram.

No caminho, paravam para abastecer e o gordo comia um hambúrguer. Ou tomava um milk shake. Ou engolia um sanduíche. Ou um bolinho de alguma coisa. Cada vez que o via comendo, me dava uma angústia. Do sofá, impotente, eu pedia:

- Não faça isso! Não faça isso!

Mas ele fazia. Foi comendo até o hospital. Cara, ver aquilo estava me dando nojo de comida.

Na consulta, o médico disse que seria impossível operá-lo, porque, com seu peso, o coração não aguentaria a cirurgia. Ele tinha de perder pelo menos 68 quilos para se submeter à operação. O gordo ficou chateado, mas prometeu fazer um regime e voltar dois meses depois.

E aqueles dois meses se passaram e o gordo fez a dura viagem de novo e apresentou-se ao médico. Subiu na balança e? havia engordado sete quilos!

Cristo! O médico perguntou: - Mas o que é que você come???

E ele: - Umas coisinhas, como apenas duas vezes por dia? Verdade que faço umas boquinhas entre as refeições, mas como só duas vezes por dia?

O médico olhou de lado: - Sei!

É claro que ele não acreditou. Eu, que assistia pela TV, fiquei espantado, porque o gordo acreditava mesmo que comia pouco. Ele foi filmado empanturrando-se com tudo que é fast-food gorduroso, mas jurava que não era um comilão. Depois da consulta, o médico explicou para as câmeras que é assim mesmo: não é que as pessoas queiram enganar outras pessoas sobre o que estão fazendo, elas enganam a si próprias.

Enquanto o gordo continuava sua saga, pus-me a pensar que esse mecanismo de autoilusão funciona em muitos outros compartimentos da vida. A pessoa jura que é vítima, quando, na verdade, é a agressora. A pessoa jura que está fazendo o certo, quando, na verdade, está prejudicando a si e aos que a cercam.

O cérebro faz esses truques conosco, usando uma ferramenta que se chama "justificativa". O chefe que oprime o subordinado diz que o faz pelo bem da empresa; o político se corrompe em nome da "governabilidade"; fazendeiros, madeireiros e garimpeiros queimam a floresta para produzir e sustentar suas famílias; o governo que grita contra a fiscalização ambiental diz que esse é um grito em nome do desenvolvimento. A filosofia autoriza a ação. E fornece uma cegueira providencial ao seu autor. Como o gordo que não acredita que come tanto, eles, como diria Jesus, não sabem o que fazem.

O gordo acabou se conscientizando. Submeteu-se a um regime, perdeu 91 quilos, e o médico o operou. Aí está uma lição: autocrítica faz bem. Autocrítica salva.

DAVID COIMBRA

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