24 DE AGOSTO DE 2019
FLÁVIO TAVARES
NOSSOS PULMÕES
Aprender é o ato fundamental da vida. Aprendemos para o futuro, até se o futuro for só o minuto seguinte. O saber da ciência surge do que se constata pela experimentação, nunca de um anjo caído dos céus.
A grande lição sobre o futuro apareceu, na última semana, na audiência pública convocada pelo Ministério Público sobre a mina de carvão a céu aberto, entre Charqueadas e Eldorado, a 12 quilômetros da Capital. O debate de seis horas teve um denominador comum: os impactos do carvão são significativos, reconheceu o engenheiro Affonso Novello, coordenador do relatório apresentado pela mineradora.
A visão técnica (ou realista) não precisou lembrar que o carvão é o grande responsável pelo aquecimento global que ameaça a vida no planeta. Para conhecer o horror, bastou saber do carvão e dos fósseis.
O geólogo Rualdo Menegat, professor da UFRGS e da Unesco (ramo científico da ONU), lembrou que o carvão é mineral complexo, com 76 elementos perigosos, como enxofre e os radiativos urânio e selênio. O cádmio afeta o pâncreas, o volátil mercúrio contém neurotoxinas, como a pirina, cuja alta reatividade química se expande a centenas de quilômetros. O enxofre, ao reagir com a água, facilmente vira ácido sulfúrico numa mina em terra de banhados a metros do Jacuí?
Mas o relatório da empresa ao governo estadual "nada diz sobre a composição química do carvão", lembrou e indagou: "Se o próprio minerador não sabe do material com que vai lidar, o que falta?".
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O futuro da área metropolitana será cinzento, com o Jacuí degradado e poluindo o Guaíba. O desvio de dois arroios e o rebaixamento do lençol freático nos 4 mil hectares da mina afetarão o aquífero quaternário que vai até o Delta do Jacuí, e perderemos reservas de água equivalentes ao Lago Guaíba. Até os poços tendem a secar.
Mas, na reunião do Ministério Público, a mineradora afirmou que "não há aquíferos na área"?
O professor de Engenharia de Minas da UFRGS Jorge Grabowsky lembrou que a Alemanha vem interrompendo a extração de carvão, enquanto, aqui, busca-se extrair 166 milhões de toneladas. Observou, ainda, que a mineradora apresentou apenas cinco amostragens de poluentes, ínfimas pelo tamanho da mina.
Aprendemos que, além de degradar nossa água, a mina lançaria na atmosfera 416 quilos/hora de partículas tóxicas em 1.056 detonações anuais, mais de três ao dia, afetando os moradores próximos, a fauna silvestre e a flora.
Tudo formará uma neblina ácida, talvez perene. No carvão, a drenagem ácida é inevitável, lembrou o geólogo Menegat, respeitado mundialmente.
Aprenderemos a respirar com 2 milhões de toneladas de enxofre sobre nossos pulmões?
FLÁVIO TAVARES
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