quinta-feira, 8 de agosto de 2019



08 DE AGOSTO DE 2019
DAVID COIMBRA

Anos dourados

Os anos dourados estão sempre lá atrás.

Eles não passarão, passaram. Você, passarinho.

Mas? pense na sua própria vida. Digamos que, para você, o tempo de glórias se deu nos anos 1980. Você recorda aquela época e suspira. No entanto, se pensar bem, chegará à conclusão de que DURANTE os anos 1980 ninguém dizia que aqueles anos eram dourados. Pior: as pessoas reclamavam de coisas típicas da época, como, sei lá, os mullets. Agora, olhando de longe, tudo parece tão belo. Você ouve o Kenny Rogers e os Bee Gees cantando You and I, sente um aperto no coração e crocita, como um velho corvo:

- Nunca mais?

Aliás, deixe-me abrir um parêntese para falar acerca deste som. É que, no começo dessa época que lhe faz verter lágrimas, os anos 1980, eu trabalhava na Livraria Sulina. Uma das minhas funções era visitar escolas a fim de apresentar livros aos professores. A intenção era de que eles adotassem os livros distribuídos ou editados pela Sulina, é claro. Assim, conheci praticamente todas as escolas da cidade. Numa delas, da qual não lembro o nome, só lembro que ficava perto da Protásio, pois nessa escola passei pela portaria e entrei, à procura da sala dos professores. 

Fui caminhando por um corredor comprido e, a distância, ouvi uma música, um lalalá entoado por vozes femininas. Vinha da sala dos professores. Quando cheguei à porta, me detive: um grupo de professoras sentadas em torno a uma mesa retangular cantava essa canção do Kenny Rogers. Elas cantavam com alegria, sorrindo, cantavam com vontade e, o principal, cantavam muito bem. Fiquei parado, olhando e ouvindo, enquanto elas gorjeavam:

"Don?t believe the world

No, the world can?t give us paradise

When you make your love to me

Till I just could not see the light

As long as I got you

As long as you got me

As long as we got you and I?"

Cara, foi bonito aquilo! Duas ou três professoras me viram parado à porta, mas não se abalaram. Continuaram cantando e sorrindo alheias à minha presença. Fiquei um pouco encabulado de lhes devassar assim a intimidade, mas não me mexi. Ouvi até o fim e, quando elas terminaram, contive-me para não aplaudir. Nunca mais esqueci a cena. Suponho que, a julgar pela felicidade das professoras, elas hoje devem ser das que sentem nostalgia dos anos 1980. Mas tenho certeza de que, na época, muitas, senão todas, se queixavam da vida.

É assim que é. O presente parece sempre pior do que o passado e o futuro está sempre ameaçando se tornar ainda mais sombrio. Como hoje.

Hoje, o presente passa a impressão de que vivemos uma época de grosseria e falta de empatia como nunca houve na história do Brasil. E o futuro tem um aspecto assustador. Será que não é bem assim? Será que, daqui a 20 ou 30 anos, as pessoas vão olhar para trás e pensar que a segunda década do século 21 foi formada por anos dourados? Ou será que a minha percepção está correta e vivemos um tempo de ignorância orgulhosa? Tenho dúvidas, mas, francamente, começo a sentir saudade daquele tempo em que o grande problema do Brasil era o Sarney. E, é claro, os mullets.

DAVID COIMBRA

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