31 DE AGOSTO DE 2019
CARPINEJAR
Saia das asas dos filhos
Antes, os filhos tinham medo de apresentar os seus amores para os pais. Havia um temor pela desaprovação, pela oposição, pelo boicote. Guardavam segredo até o inevitável, até as últimas consequências. O início do romance era clandestino, com alegação de que se dormiria na casa de um amigo. Eles só ficavam sabendo por terceiros, a partir de fofocas ou flagrantes na rua. Evitava-se o julgamento, a ressalva por classe social diferente e temperamento oposto.
Os jovens sofriam com o preconceito, revivendo sempre um Romeu e Julieta em segredo. Chegavam a casar cedo para poder se beijar em paz ou até engravidar para sair de casa e escapar do policiamento.
Agora os pais separados estão com medo de apresentar os namorados para os filhos. Inverteu-se a situação, numa infantilização súbita e inesperada da responsabilidade. O que há de pai e de mãe que escondem os seus novos parceiros da família. Acham que não serão aceitos. Acham que serão criticados. Acham que perderão o respeito.
Vem ocorrendo uma completa falta de personalidade dos adultos. Eles cederam terreno demais para os filhos, a ponto de se tornarem dependentes da opinião deles. Não querem desagradá-los. Podem, inclusive, anular as suas vidas pessoais para não melindrar ninguém. Angustiam-se com a iminente formalização dos laços e adiam o encontro o máximo possível. Talvez para não profanar o santuário do casamento anterior.
Os namorados e as namoradas são tratados como amantes de motel, casos esporádicos, distantes da convivência dos círculos filiais. São desprezados para não ferir o ritmo e a dinâmica da casa. Não devem aparecer, não devem telefonar em determinados horários, com a desculpa de que ainda é cedo.
Cedo para quê? Para ser feliz? Para tentar conhecer alguém? Como determinará quem é o outro ocultando parte importante de sua rotina?
Não sei quando emergiu essa covardia, essa inferioridade que confere poder de censura para as crias, permitindo que sejam tiranos e mimados. A mudança de comportamento revela um dado preocupante: os pais agem como se estivessem casados com os filhos, compulsivos devedores de sua conduta.
Não se impõem como figuras independentes. Experimentam uma simbiose que apenas reduz as escolhas e empobrece os contrastes da realidade. É dar o exemplo errado, de que é feio lutar pela alegria amorosa, de que o prazer é secundário, de que mais vale manter a aparência ainda que a custo de mentiras e omissões.
Quando a paternidade e a maternidade subjugam os relacionamentos, distorções aniquilam a sinceridade, criando versões improcedentes de pessoas que não correspondem aos fatos.
A autenticidade é insubstituível, a única herança que fica. Que o filho conheça os pais por aquilo que são em vez de descobrirem um dia o que eles nunca contaram.
CARPINEJAR
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