DAVID COIMBRA
Os demônios que nos rondam
Outro dia citei uma passagem do
Gênesis que explica um pouco dos nossos padecimentos do século 21. Nada a
ver com religião, e sim com conceitos que forjam a vida prática. É uma
parte da história de Noé. Gosto desse trecho da Bíblia, porque é meio
misterioso. Há um pedaço que diz assim:
"Aconteceu que, como os homens começaram a
multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas, viram, os
filhos de Deus, que as filhas dos homens eram formosas e tomaram para si
mulheres de todas as que escolheram. Então disse o Senhor: ?
Não
permanecerá o meu Espírito para sempre com o homem, porque ele também é
carne, e a duração da sua vida será somente de 120 anos?". Isso significa que havia dois tipos de criaturas
humanas: os homens e os filhos de Deus. Quem seriam esses filhos de
Deus? Se você for mais adiante no Gênesis, vai descobrir: eram os
"Nefilins", que algumas traduções da Bíblia chamam de "gigantes".
Os
Nefilins eram os anjos decaídos, soldados do primeiro anjo banido,
Lúcifer. Ou seja: eram demônios! E eles se relacionaram e tiveram filhos
com as filhas dos homens. Você percebeu a gravidade disso? Deus
percebeu: "Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a
terra e pesou-lhe o seu coração. E disse o Senhor: ?Destruirei o homem
que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao
réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito?".
Foi por isso que sobreveio o Dilúvio.
Entenda: muitas histórias da Bíblia são parábolas,
contadas para exercer um efeito moral no povo. O que interessa,
portanto, é o que o Gênesis pretende ensinar. E a lição vem depois de
passado o Dilúvio, quando Deus abençoou Noé e seus três filhos e
deu-lhes uma ordem, que é o naco de texto que reproduzi. Deus disse
assim:
"Frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra. Vós
sereis objeto de temor e de espanto para todo animal da terra, toda ave
do céu, tudo o que se arrasta sobre o solo e todos os peixes do mar:
eles vos são entregues em mão. Tudo o que se move e vive vos servirá de
alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva verde."
Eis o centro filosófico da história. O homem é dono de
tudo: da "erva verde" e dos animais. Essa ideia sempre moveu o ser
humano, ele sempre manipulou a natureza para viver com mais conforto. Em
alguns casos, criou grandes coisas; em outros, destruiu grandes coisas.
A civilização, afinal, é o controle da natureza, seja a dos nossos
instintos, seja a que nos cerca. Mas, com a experiência, o homem
aprendeu que a natureza é um sistema integrado: o que é feito aqui pode
produzir efeitos acolá. Essa nova sabedoria fez o homem compreender que,
às vezes, a melhor forma de usufruir da natureza é deixá-la como está.
Estou falando, obviamente, da Amazônia.
A Amazônia vale muito mais de pé do que derrubada. Não
apenas por ser o "pulmão verde" do planeta, mas por possuir riquezas
naturais que podem ser exploradas sem que haja devastação. A Amazônia é
dotada de um bioma riquíssimo e do maior acervo hídrico do mundo, pode
ser a sede da nova ciência do planeta, da nova química, da nova
biologia, da nova medicina, e render trilhões de dólares para o Brasil,
tudo isso preservando a natureza.
Nefilins de dentro e de fora do país rondam a Amazônia.
Temos de protegê-la com inteligência, não com brutalidade. Antes que a
ira do Senhor caia sobre nós.
DAVID COIMBRA
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