10 DE AGOSTO DE 2019
FLÁVIO TAVARES
MARISTAS E TALIBÃS
Ouvir e ter opiniões diferentes ou opostas só engrandece e soma. O progresso nasceu do ato de divergir e pôr em dúvida o presente. Caso contrário, estaríamos ainda nas primitivas cavernas, expostos ao frio e à intempérie, sem nada do nosso atual dia a dia. A ditadura da unanimidade é perversa - embota a criatividade e nos aprisiona no "pensamento único", como queriam Hitler e Stalin. Ou os talibãs.
Por isto, o protesto de um grupo de políticos e pais de alunos contra um professor do Colégio Rosário, em Porto Alegre, dias atrás, ecoou como estranho. O "crime" do professor foi mostrar em aula um vídeo do sociólogo Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, sobre as violentas raízes históricas do Brasil e que fez dois alunos brigarem a socos e pontapés.
Ao frisar que pobres, negros e mulheres foram, sempre, "as vítimas principais da violência" (tanto a da polícia quanto no lar), a análise foi vista como "doutrinação marxista". Os cartazes do protesto diziam "Maristas sim, marxistas não", como se o "X" da questão fosse uma letra a mais ou a menos.
A simplificação empobrece o raciocínio e temi que o grande Marcelino Champagnat, fundador dos maristas, acabasse arrolado como "vil marxista". Não importava sequer que, quando ele deixou este mundo, em 1840, Marx fosse um mocinho imberbe, sem a longa barba com que esmiuçou a economia no Das Kapital.
Sim, pois Champagnat, padroeiro dos professores e da educação (cuja veneração como santo celebra-se a 15 de agosto), foi defensor não só dos pobres, mas "dos mais pobres entre os pobres".
Primeiro na França, depois pela Europa, os maristas acolhiam os filhos dos operários e agricultores pobres, até então excluídos da educação e condenados a obedecer, nunca a decidir.
Até nas Américas, onde as classes média e alta cursaram sempre os maristas, os pobres eram o foco. Alguns de meus colegas de curso fundamental no Colégio São José, nos anos 1940 em Lajeado, iam às aulas descalços. No inverno ou chuva, de tamancos.
Em parte, já na infância recebi dos maristas o humanismo com que busco ver o mundo. Depois, consolidou-se na Faculdade de Direito da PUC, que, nos anos 1950, funcionava onde hoje é o Rosário.
Educar não é, apenas, ensinar o que o outro desconhece. Isto é aprendizado, até necessário mas nunca suficiente. Educar é formar pessoas sem deformar a condição humana que nos diferencia dos outros bichos do planeta. É ato de amor, destituído de ódio e intolerância.
Só os talibãs não pensam assim.
Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES
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