quarta-feira, 21 de agosto de 2019



21 DE AGOSTO DE 2019
DAVID COIMBRA

O sedutor da rainha

Um dia escreverei um livro sobre a batata. Chamar-se-á "O Glorioso Mundo da Batata". Ou talvez: "Como a Batata Salvou o Ocidente". Contarei sobre a surpreendente entrada da batata na Europa, levada por sir Francis Drake para a rainha Elizabeth I, a Rainha Virgem.

Ou seria por sir Walter Raleigh?

Pode ser, tenho de investigar. Ambos foram homens notáveis. Drake era corsário e foi o primeiro inglês a dar a volta ao mundo. Raleigh também era corsário, além de espião, poeta, historiador e inveterado sedutor. Tão inveterado e tão sedutor que arrebatou o coração da própria rainha. Um dia, ela caminhava soberanamente pelas ruas de Londres quando teve de se deter diante de uma poça d´água plebeia. Raleigh, que estava nas proximidades, não perdeu a chance: tirou sua capa dos ombros e estendeu-a sobre a poça para a rainha passar sem molhar os nobres pés. Ela passou, sorrindo de forma imperial, e mais tarde chamou Raleigh à sua real presença e ele se deu muito bem.

Raleigh é um personagem tão importante para os ingleses que chegou a ser citado em uma música dos Beatles, I?m So Tired, que, francamente, é uma das poucas músicas não boas que os Beatles fizeram. A letra não o lisonjeia. Ao contrário, Lennon & McCartney chamam-no de "babaca estúpido" por ter levado para a Inglaterra outro produto das Américas, além da batata: o tabaco.

Mas o que nos importa, por ora, é a batata amada. Hoje, a batata está sob ataque dos adeptos do low carb, como outrora já esteve o ovo, que, descobrimos ontem, pode não conter embriões de pintos, o que é alvissareiro, por não nos transformar em genocidas do mundo galináceo. Pois bem: proponho a união vitoriosa de ambos, o ovo e a batata, como meio de protesto. E mais: nos consorciaremos com o bacon tão difamado e, por que não?, também com a cebola, que, se não é mal falada, faz chorar.

É uma receita que tenho e que cederei a você, porque o inverno pede refeições calóricas. Será o seu almoço de hoje. Então vamos lá:

Depois de descascar três batatas do tamanho do punho de Mike Tyson, corte-as em lâminas finas, da espessura de bolachas Maria, aquelas que são boas de molhar no café com leite nas tardes frias de agosto. Frite-as (as batatas, não as bolachas) em bom azeite, salgue-as e deixe-as descansando em folhas de papel de cozinha, que lhes absorverá um tanto da pérfida gordura.

Em outra frigideira, deite fatias de bacon e as aqueça em fogo baixo. Quando a gordura verter do bacon, despeje-a da frigideira. Repita este processo três vezes. Em seguida, misture ali a cebola que você adrede descascou e picou bem picadinha. Quando a cebola estiver com a transparência do coração dos puros, como o Pedro Ernesto Denardin, junte tudo à batata. Em uma tigela de vidro, faça uma gentil mescla da batata com o bacon e a cebola.

Agora, tome a maior frigideira da casa, unte-a com manteiga e uma colherinha de azeite de oliva, transfira para lá o conteúdo da tigela e, rapidamente, quebre não um ou dois, nem mesmo três ou quatro e sim CINCO ovos, juntando-os ao amálgama composto por batata, bacon e cebola. Nesse instante, forma-se uma liga, tudo faz parte de um mesmo corpo. Sele dos dois lados e, oh, Deus!, nosso prato está pronto para servir e comer e, talvez, impressionar uma rainha do século 21 tanto quanto sir Walter Raleigh impressionou aquela rainha do século 16. Abra agora um tinto não rascante. Sugiro um malbec. E você terá um dia feliz.

DAVID COIMBRA

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