DAVID COIMBRA
Malagueta, perus, bacanaço e Luan
Talvez você nunca tenha ouvido falar
no João Antônio. Devia: foi um dos maiores escritores do Brasil em todos
os tempos. Sua especialidade eram as histórias curtas. O conto.
Histórias curtas são subestimadas pela crítica. Um dos
raros gênios literários que o Brasil produziu só escrevia histórias
curtas. Na verdade, muito curtas, curtíssimas, crônicas. Falo de Rubem
Braga.
Quanto ao João Antônio, alguns de seus livros são
poesia disfarçada de malandragem. Procure Malagueta, Perus e Bacanaço ou
Meninão do Caixote. Leia-os. Você não vai se arrepender.
Li, creio, todos os livros dele e não entendia por que
não era mais festejado. Quando o conheci, entendi. João Antônio era um
homem que pouco ligava para as aparências. Usava uma calça velha, azul e
desbotada no tempo em que isso não era sinônimo de liberdade e chinelos
de dedo no tempo em que chinelos de dedo não eram vendidos em Nova
York. Eu tinha 20 anos de idade, pouca experiência, muitas ilusões e
grande categoria para dar lançamentos de 60 metros no campo do Alim
Pedro.
Acompanhei-o durante uma semana em Porto Alegre a fim de
assessorá-lo na divulgação de seus livros. João Antônio me tratava como
um igual. Um dia, caminhávamos pelo Centro e, ao ver a beleza de pedra
do Viaduto da Borges, ele pediu para irmos até as escadarias. Fomos.
Subimos em direção à Duque e, no meio do caminho, ele se sentou em um
degrau.
- Vamos conversar um pouco - sugeriu.
Sentei ao seu lado, e lá ficamos nós, falando de
jornalismo, de literatura, das mulheres, de sinuca, da vida. Você
consegue imaginar um desses escritores de academia de hoje refestelado
no degrau de uma escadaria, conversando só por conversar com um gurizão
que era pago para promover os seus livros?
Não tenho dúvida: se João Antônio tivesse uma
personalidade mais, digamos, exuberante, ele certamente seria mais
valorizado. Porque ele não era acintoso, ele tinha pouca visibilidade,
mas sabia encantar o leitor.
Lembro agora de João Antônio por causa de Luan. Nenhum
jogador do Brasil joga como Luan. Poucos jogaram parecido, em qualquer
clube, em qualquer tempo. A movimentação que Luan faz, mesmo quando
passa por má fase, dá lógica ao time. Ele concede fluência ao meio-campo
e agudeza ao ataque. Mas Luan, às vezes, é considerado lento ou
desatento. É o jeito dele, meio malemolente, meio melancólico, sem o
marketing do romancista, apenas com a simples brevidade do cronista.
Suspeito que foi essa imagem que levou Tite a preteri-lo na Seleção.
Pois Tite estava errado. Luan consertou a Seleção na Olimpíada e é o
principal jogador do Grêmio há três anos. Com ele, o futebol do Grêmio
se torna escorreito, as coisas acontecem. Eu não prescindiria de Luan
numa decisão como essa, de hoje, contra o Palmeiras. Eu apostaria nele.
Mas, é claro, Renato sabe muito mais do que eu. Ele deve estar
reservando algo especial para aproveitar o talento de Luan. Um talento
que não é acintoso, que tem pouca visibilidade e é até mal compreendido.
Mas que pode encantar o torcedor.
DAVID COIMBRA
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