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"O dano está feito"
ENTREVISTA | RUBENS RICUPERO - Diplomata, ex-ministro do Meio Ambiente
Primeiro ministro do Meio Ambiente
do Brasil, o diplomata Rubens Ricupero (foto) acompanha com tristeza as
queimadas na Amazônia, e mais ainda, a terra arrasada que restou para a
imagem internacional do Brasil:
- Perdeu-se um esforço de 30 anos. O dano está
feito. O agronegócio vai sofrer, será preciso correr atrás do prejuízo. O
esforço que antes seria para abrir novos mercados terá de ser aplicado
para recuperar terreno.
Quais serão as consequências da escalada de rejeição global?
Não creio que vá haver melhora no clima para aprovação
do acordo com o Mercosul. Enquanto durar o impacto dessas queimadas, vai
ficar na geladeira. A Comissão Europeia tem interesse em aprovar,
porque negociou o acordo, mas não tem maioria. Vai haver aliança entre
Verdes e a esquerda, mas também dos conservadores, mais ligados à
agricultura. Mesmo em condições ideais, a aprovação teria sido
arriscada. Nas atuais, conhecendo a dinâmica, a sensação é de que vai
demorar. Vão deixar assunto na geladeira até que baixe a poeira e haja
mudança efetiva.
É possível esperar mudança?
O presidente foi muito leviano. Durante meses, acumulou
provocações. Quando houve reação, o governo se assustou. O
pronunciamento lembrou os da Dilma, escrito e lido. Não era algo que
falasse com sinceridade. Ele mudou inteiramente, passou a dizer coisas
que nunca disse em toda a vida. Soou tão artificial que houve panelaços.
Foi muito significativo porque ocorreu, em geral, em bairros que
votaram nele. Essa mudança de discurso, em si, não basta. Tem de mudar a
política. E para isso, tem de mudar o homem que colocou no ministério.
Nomeou o que chamo de antiministro.
Está lá para desmontar. Antes da
posse, queria suprimir o Ministério do Meio Ambiente, transferir para a
Agricultura. Acabou não fazendo porque o setor ruralista e a ministra
que havia escolhido (Teresa Cristina) não quiseram. Na época, disse
?esperem só para ver quem vou colocar no ministério?. Escolheu um
indivíduo condenado em São Paulo por improbidade administrativa em
questão de mineração. Posso dizer porque fui o primeiro ministro do Meio
Ambiente e da Amazônia. Lembro como formamos gente para isso.
Desmantelaram tudo. Desencorajou e criticou seguidamente os fiscais do
Ibama. Inclusive mandou punir o que o havia multado. Ele tem obsessão
antiambiental.
Vê conexão entre a multa e a política ambiental?
Em parte, é porque foi multado. Lembra muito o que os
psicanalistas chamam de governantes que agem por ressentimento. Quando
fiscais do Ibama desarticularam uma operação de madeireiros ilegais e
destruíram, conforme a lei prevê, o equipamento que usavam, o presidente
e o antiministro tiveram acesso de cólera. Desautorizaram publicamente,
disseram que os fiscais não deveriam, tinham primeiro de fazer ação
educativa. Todos os governos anteriores, com maior ou menor eficácia,
combateram o desmatamento. Este é o primeiro que, desde o começo, deixou
claro que era contra a fiscalização. Não são só palavras, são atos.
Do que vai depender a recuperação da imagem?
Para ficar satisfatório, do ponto de vista
internacional, tem de mudar a política. Não basta mandar o Exército. Ele
tem de mudar o antiministro, tem pôr de volta os funcionários. Daqui a
alguns dias, o comitê de Meio Ambiente da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) vai começar o exame das
políticas ambientais brasileiras em Paris. Como o Brasil vai querer
entrar na OCDE se não mudar de política? O problema lá não é como o
pessoal pensa aqui, que pode haver sanções de governo. Pode haver
sanções espontâneas da população. Ao contrário do Brasil, lá a
consciência ambiental é muito avançada. A carne brasileira já custava a
metade da argentina, por causa da qualidade. Agora, vai ser como um
veneno.
Qual o tamanho do desgaste?
Eu era assessor especial de (José) Sarney quando
assassinaram Chico Mendes. Houve a primeira grande campanha sobre
destruição da Amazônia. A resposta foi muito adequada: ofereceu o Brasil
para ser sede da Rio 92. Teve atitude proativa, não defensiva. Houve um
segundo momento de melhora, quando começou a cair o desmatamento, entre
2004 e 2005, que em grande parte se deve a Marina Silva (ex-ministra do
MMA). Perdeu-se um esforço de 30 anos. Não é o governo que desmata. São
atores privados, grileiros, pecuaristas, madeireiros ilegais. O papel
do governo é impedir. Mas basta cruzar os braços, amarrar os fiscais,
para que o desmatamento aumente.
O presidente é o autor desta crise. Não
é só na Europa, é na Ásia, nos Estados Unidos. Ainda que o Trump seja
aliado, é do Congresso a última palavra sobre comércio. Trump quis mudar
o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que reúne EUA,
Canadá e México). Foi obrigado a reforçar cláusulas ambientais e
trabalhistas, e há risco de não aprovar. Imaginar que o Brasil possa
manter essas políticas em relação aos indígenas, em relação à mata, e
obter alguma vantagem comercial com os EUA é não conhecer a situação
real. O agronegócio vai sofrer, será preciso correr atrás do prejuízo. O
esforço que antes seria para abrir novos mercados, terá de ser aplicado
para recuperar terreno perdido.
MARTA SFREDO
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