quarta-feira, 9 de janeiro de 2008


RUY CASTRO

Os vilões de sempre

RIO DE JANEIRO - Os vários Andrés (Gide, Breton, Malraux, Bazin), Jacques Prévert, Sartre, Camus, Boris Vian, Genêt, Merleau-Ponty, Truffaut e demais franceses que fizeram a cabeça do século 20 a partir de uma mesa de café em Paris e de um cigarro na boca seriam, hoje, inviáveis. Se vivessem em 2008, e quisessem continuar filosofando, poderiam tudo, menos fumar.

Em sua época, havia um forte aroma de contravenção no surrealismo, no realismo poético, no existencialismo, na fenomenologia, na Nouvelle Vague e nas outras disciplinas que ficamos devendo a esses homens.

E, embora não existisse nenhuma relação, todos fumavam como se fosse para salvar a vida. Mas teria sido a mesma coisa se, entre um "pourquoi" e um "parce que", em vez do onipresente Gauloise, eles mascassem chicletes ou chupassem jujubas?

A proibição de fumar em lugares fechados na França, a valer desde o primeiro dia do ano, é uma saudável vitória da campanha antitabagista, porque os franceses, de fato, fumam demais -com o mesmo fanatismo com que os americanos comem batata frita com ketchup e os brasileiros bebem cerveja.

Na Inglaterra, por sua vez, o primeiro-ministro Gordon Brown anunciou no mesmo dia que os fumantes britânicos poderão ter "dificuldade de acesso ao sistema nacional de saúde". A idéia é a de que quem não fuma não é obrigado a financiar com seus impostos o tratamento das mazelas de quem fuma.

Dito assim, faz sentido. Mas esse mesmo fumante, e que também paga impostos, será obrigado a financiar o tratamento das mazelas de quem se entope de fast food?

Ou de quem bebe demais ou de quem usa outras drogas? No entanto, Brown não se lembrou de ameaçar os usuários de cheeseburgers, conhaque ou cocaína. Sobrou apenas para os fumantes, os vilões de sempre.

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