quarta-feira, 2 de janeiro de 2008


JOÃO PEREIRA COUTINHO

O ano que não vai existir

É possível afirmar que Saramago não vai escrever um bom livro, Oliver Stone não vai dirigir um bom filme

POBRES LEITORES de jornais. No final de um ano, começo do outro, os jornais deixam de ser jornais. As notícias do mundo não ajudam, claro, mas os jornalistas também não.

Existem duas hipóteses. Primeira: reciclar notícias de 2007 e fazer um "balanço do ano" (com fotos, claro). Segunda: fazer "previsões" de 2008 que não são "previsões", mas repetições de fatos incontornáveis (exemplo: dia 25 de dezembro será Natal novamente).

No primeiro caso, existe preguiça. No segundo, existe preguiça ou presunção. Exceto generalidades, ninguém faz a mais pálida idéia do que vai suceder em 2008. Desistimos?

Obviamente, não. Podemos não saber o que vai acontecer em 2008. Mas é possível dizer o que não vai acontecer. A revista americana "Business Week", por exemplo, dedicou um número recente à indústria dos negócios e do espetáculo, prevendo quem não vai ganhar Oscar, quem não vai falir, quem não vai faturar na bolsa etc.

O exercício é pedagógico e pode ser aplicado ao mundo inteiro com resultados modestos, mas seguros. Querem experimentar?

Politicamente, 2008 será marcado pelas eleições presidenciais americanas. Isso é fato. Mas o que não vai acontecer é os americanos elegerem uma mulher (Hillary), um negro (Obama) ou um mórmon (Romney) para a Casa Branca.

O mesmo para a Rússia e para o Zimbabwe, com eleições no mesmo mês (março). Isso é fato. Duplo.

Mas o que não vai acontecer é o partido de Vladimir Putin perder as eleições na Rússia. Ou Mugabe perder as dele no Zimbabwe. Ou seja, a Rússia não será mais democrática e o regime de Mugabe não será menos torcionário. Isso não vai acontecer.


Mas o ano não se limita a eleições. Teremos Jogos Olímpicos em Beijing. Isso é fato. Mas o que não vai acontecer é a China libertar os presos políticos, tolerar os dissidentes ou renunciar às suas pretensões sobre Taiwan.

O mesmo para o Irã, que não vai abandonar o processo de enriquecimento de urânio e a busca da bomba.

E se vocês acreditam que o Estado de Israel, nos 60 anos da sua fundação, será finalmente reconhecido pelo radicalismo islâmico, por favor, não se iludam: isso também não vai acontecer.

Aliás, o radicalismo islâmico não vai desaparecer. Muito menos no Iraque. Qualquer jornal do mundo dirá que em 2008 passarão cinco anos sobre a invasão americana.

E daí? Isso é fato. Mas o que não vai acontecer é a retirada das tropas, independentemente do vencedor nas presidenciais americanas de novembro.

E se o Iraque não terá paz, sobretudo porque o entendimento entre sunitas e xiitas também não vai existir, as reformas econômicas e sociais de Sarkozy em França não vão trazer paz ao país.

E o namoro do Presidente com Carla Bruni, mais nova do que ele, também não vai trazer paz ao próprio.

De resto, é possível afirmar com segurança que Saramago não vai escrever um bom livro, Oliver Stone não vai dirigir um bom filme e Rod Stewart não vai gravar uma boa música. E o presente cronista?

O presente cronista talvez não acerte em todas as não-previsões. O que seria bom. Essa é a única hipótese de Portugal vencer mesmo a Eurocopa.

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