sexta-feira, 4 de janeiro de 2008



DE VIRADA

A praia é um dos lugares mais interessantes para observações antropológicas livres. Pode-se olhar, descrever e até praticar a chamada observação-participante ou mesmo a perigosa, epistemologicamente falando, se me entendem, participação-observante.

Tudo sem pressa. Eu me dedico, em geral, à contemplação estudiosa e detalhista. Entre a observação e a participação há, quase sempre, o uso de um código que permite romper a distância cultural e quebrar o estranhamento.

Pude anotar várias fórmulas originais de superação do choque cultural: 'Oi...' – seguido de um silêncio dubitativo; 'Você não é a...' – completado pela interlocutora com satisfação ou, não raras vezes, com certo ar de tédio.

Pude constatar, porém, que a linguagem não-verbal – sorrisos e olhares oblíquos – predomina nas estratégias de aproximação, com os machos ainda tomando mais vezes a iniciativa e quebrando a cara em, ao menos, 50% dos casos. Já a tomada de iniciativa pelo sexo feminino, embora mais rara, é quase sempre bem-sucedida.

Passamos o réveillon no Costão do Santinho, em Santa Catarina. Como se sabe, é um paraíso. Ninguém esteve no paraíso até hoje, que eu saiba.

Ao menos não localizei no You Tube nenhum vídeo com imagens autênticas do paraíso. Mas é assim que se fala de qualquer lugar bonito e não cabe aqui discutir esse termo consagrado.

Certo é que eu me dediquei, durante três dias, no Santinho, a classificar tatuagens, formatos de barriga e tamanhos de biquíni. Nada posso dizer sobre a beleza das mulheres ou sobre as figuras masculinas, pois não tive tempo de prestar-lhes atenção.

Levei muito a sério a tarefa a que me destinei. Seguem as minhas conclusões: os biquínis estão maiores e alguns podem até servir de shortinho na hora de ir ao supermercado ou tomar um sorvete no centrinho, na Praia dos Ingleses.

Mesmo assim, foi possível perceber o retorno do fio-dental numa faixa etária, ouso imaginar, entre 25 e 30 anos. A evolução dos biquínis resume-se a isto, uma modernização-conservadora bastante moderada. Uma postura mediana entre os governos FHC e Lulla.

Já as barrigas, predominantemente masculinas, podem ser classificadas em três formatos: redondas em cima e triangulares em baixo (bebedores de cerveja, carregadas em caixas de isopor, a partir das 10h da manhã);

redondas embaixo e afinadas em cima (alternam cerveja, comprada dos vendedores ambulantes, e caipirinhas); e ovais (bebem cerveja de manhã na praia, caipirinha no almoço, cerveja, à tarde, na beira da piscina, e uísque ao anoitecer).

Cheguei a produzir uma tabela com os dados relativos a esse aspecto. Alerto que não são números definitivos. Para tirar conclusões sérias, eu teria de coligir – é assim que se fala – outras informações.

Por fim, a parte mais desconcertante: as tatuagens. Entre as mulheres, predominam, como esperado, as flores, os pássaros delicados e os nomes de homens.

Foram os marmanjos que provocaram as maiores surpresas com as suas inscrições. Um deles, sarado e altivo, beirando os 30 anos, carregava no próprio corpo uma marca indelével e inimaginável: Harry Potter. Uau! Nada contra.

Cada um com a sua cultura. Outro, mais jovem, escolheu algo mais razoável, embora não menos impactante: Sport Club Internacional. Falta ainda estabelecer uma relação de causa e efeito entre barrigas, biquínis e tatuagens.

juremir@correiodopovo.com.br

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