sábado, 12 de janeiro de 2008



13 de janeiro de 2008
N° 15478 - Paulo Sant'ana


A nossa roda

A minha roda das tardinhas na Rua Padre Chagas tem tipos muito interessantes, eles são em sua maioria muito queridos.

Ali, por exemplo, a gente fica sabendo que a bonança proporciona os amigos, a desventura os testa.

Na minha roda da Rua Padre Chagas, a gente fica sabendo também o que é proclamado de meia em meia hora pelos integrantes da roda, que um amigo vale mais que 10 mil parentes.

É uma roda heterogênea. É escolhida pela inteligência e sensibilidade dos seus componentes, que se revezam no grupo das 18h às 20h. Há bacharéis em Direito, médicos, empresários, psicanalistas, imunologistas, trabalhadores e quase mendigos.

Em suma, uma roda que não exige que seus integrantes possuam pecúnia ou linhagem, o único requisito para entrar na roda é não ser medíocre.

Modéstia à parte, é uma das rodas mais instigantes da cidade.

A roda fica numa mesa de calçada do Café do Porto, cuja proprietária é uma mulher belíssima de segunda idade.

Vez por outra, a loira proprietária chega na roda e dirige a palavra para nós e nós dirigimos individualmente a palavra para ela.

A única pergunta que fiz a ela na quinta-feira foi qual era o seu xampu e qual era o seu cabeleireiro. Ela respondeu que o xampu que usa para seu cabelo ficar tão sedoso é o Phytoervas e para seu corte ficar tão ajeitado em sua delicada cabeça utiliza os serviços de Hugo Cabeleireiros.

Mais não me disse nem lhe foi por mim perguntado. Tudo o mais que se passou na relação entre mim e ela ficou por conta de minha imaginação e fantasia.

E o futuro do nosso relacionamento resta a cargo da minha sorte ou talento.

Freqüenta minha roda da tardinha na Rua Padre Chagas um renomado psicanalista.

Como ele é um dos que nunca pagam nem dividem a despesa da nossa mesa (não entendo de onde ele pensa que nós tiramos dinheiro para pagar seus gastos no Café), eu o provoquei sexta-feira: "O senhor é dermatologista?".

Ele respondeu: "Não. Eu sou psicanalista. Por que pensaste que eu fosse dermatologista?".

"Porque o senhor nunca se coça", retruquei.

A nossa roda na Rua Padre Chagas é liderada pelo fundador da roda, Gastão Wallauer. A sua simpatia comanda a roda e, modéstia à parte, o meu talento costura e coordena as tiradas espirituosas e a camaradagem.

O prazer e a alegria que emanam dos nossos rostos por termos a certeza de que aquelas duas horas são e serão sempre as mais felizes de todos os nossos cinco dias por semana.

A roda está se alargando. Éramos seis, já somos uns 16 e tenho certeza de que, depois desta coluna que estou escrevendo, teremos de cobrar jóia para quem quiser se integrar doravante à nossa roda.

A fila dos que irão querer se inscrever na nossa roda, a partir da semana que se inicia, terá de ser disciplinada por um pelotão de PMs, que já servirão para deter os cambistas.

Os autores mais citados na nossa roda são Dostoiévski, Noel Rosa, Pablo Neruda, Lupicínio Rodrigues, Descartes, Zeca Pagodinho, Sartre, Alcione, Epicuro, Platão, Michelângelo, Vitório Gheno, João Nogueira, Beth Carvalho, Maiakovski, Luis Fernando Verissimo, pela ordem. Ou melhor, pela desordem.

A nossa roda na Rua Padre Chagas se tornará, em dois anos, tão célebre quanto aquela roda de um bar de Ipanema que tinha como alguns de seus integrantes Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Nara Leão, Fernando Sabino, Nelson Rodrigues, Stanislaw Ponte Preta e Jorge Veiga.

Que roda, a nossa! Publicada esta coluna, ela será a maior atração turística de Porto Alegre.

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