sábado, 12 de janeiro de 2008



13 de janeiro de 2008
N° 15478 - Moacyr Scliar


O gorila e a TPM

Em 1955, a médica inglesa Katharina Dalton defendeu a tese de que as alterações de comportamento, mesmo as mais agressivas, poderiam ser sintomas da "doença mais comum e provavelmente mais antiga do mundo"

A historinha é antiga mas ainda instrutiva. Um homem vai, junto com sua mulher, ao zoológico. Ali estão, diante da jaula de um gigantesco gorila, quando o bicho, inspirado talvez pelo King Kong, consegue arrebatar a moça. Ela começa a gritar pedindo socorro ao marido. Diga a ele que você está com TPM, é a sarcástica resposta do cônjuge.

Resposta que resume milênios de aversão e de incompreensão. Para muitos homens, a tensão pré-menstrual lidera a lista das coisas abomináveis. Aliás, não só a tensão pré-menstrual, a menstruação também.

É imensa a lista de males atribuídos à mulher neste período. Mulher menstruada azeda o leite, estraga os frutos ainda na árvore, contamina os cursos dágua. É considerada portadora de "maus fluidos" e não pode ser tocada pelo homem.

Ou seja, a menstruação permaneceu, durante muito tempo, como uma fonte de crendices e de tabus. Até que se descobriu os hormônios e sua ação sobre o organismo das mulheres - e dos homens.

Sim, homem também depende de hormônios, sobretudo da testosterona. E homem também pode ter problemas com hormônios. Mas com a mulher é diferente. Com a mulher, a variação ocorre sempre, e é cíclica.

No início do ciclo, vai subindo a produção de estrógeno que chega a seu auge no 14º dia, quando então começa a cair; aí aumenta a produção de progesterona. Essa flutuação por sua vez interfere com a produção de serotonina, que é um neurotransmissor, isto é, uma substância que serve como "mensageiro químico" entre as células cerebrais.

Para que o cérebro funcione bem, inclusive no que se refere ao aspecto emocional, serotonina é essencial. Se o nível é bom, o resultado é alegria, satisfação; se o nível é deficiente, ficamos (homens ou mulheres, é bom frisar), irritadiços, mal-humorados, deprimidos até. Nada de mágico, nada de maus fluidos. São os hormônios, amigos.

Essas descobertas são relativamente recentes. Diz-se que o primeiro a abordar o tema foi o médico nova-iorquino Robert T. Frank, num artigo intitulado Os Fatores Hormonais da Tensão Pré-Menstrual, de 1931. Em 1955, os médicos ingleses Katharina Dalton e Raymond Greene cunharam a expressão Síndrome Pré-Menstrual.

A dra. Dalton rotulava a SPM como "a doença mais comum e provavelmente a mais antiga do mundo". Ela defendeu a tese de que as alterações de comportamento, mesmo as mais agressivas, poderiam ser explicadas pela SPM.

Os sintomas da SPM são muito comuns. Num trabalho publicado na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, os doutores Clarissa W. M. Nogueira e João Luiz P. e Silva estudaram 254 mulheres com idade entre 20 e 44 anos, sem doenças ginecológicas ou clínicas.

Dessas, quase a metade (110 mulheres) relataram pelo menos um sintoma intenso na fase pré-menstrual causando problemas: irritabilidade, cansaço, depressão, dor de cabeça, dor nas mamas, dor no ventre.

Quase todas tinham mais de uma queixa; na maioria dos casos, o problema durava entre três e sete dias. Ou seja: um problema real, que exige tratamento, e que pode ser controlado mediante tratamento.

Voltando ao gorila, e ao marido, será que essas explicações resolveriam? A julgar pela frase vingativa do cônjuge ele teria de ler muitos artigos para ser convencido.

Em relação ao gorila (ah, esse termo; era muito comum durante o período de ditaduras na América Latina), o processo de convencimento seria mais difícil. Mas se até King Kong mudou, sempre se pode ter esperança.

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