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quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
10 de janeiro de 2008
N° 15474 - Paulo Sant'ana
Crime chocante
Sem mais delongas, passemos ao que Zero Hora publicou anteontem no noticiário policial: uma entrevista com o garoto de 16 anos que sofreu empalamento (cabo de vassoura enfiado no ânus) por integrantes da Brigada Militar, em Flores da Cunha.
O menino, após quatro dias no Hospital Geral de Caxias do Sul, tem dificuldades para caminhar e ostenta no abdômen um corte de 20 centímetros, a marca da cirurgia.
Eis apenas metade da entrevista que ele concedeu ao repórter Adriano Duarte, do jornal Pioneiro, de Caxias:
Agência RBS - Como foi a ação dos policiais?
Adolescente - Primeiro mandaram o pessoal que mora em cima (na casa do gesseiro Valdir de Moura, assassino do sargento da Brigada Militar) descer para o pátio. Depois arrombaram a porta da casa de baixo e mandaram a gente sair.
Na casa estávamos eu e mais cinco amigos, além da dona Janet e um senhor de 63 anos que é pensionista. Fomos para a calçada e ficamos sentados no cordão. Passou um tempo e me chamaram para um canto. Queriam saber onde estava o Valdir. Respondi que não sabia.
Daí levaram eu e o meu amigo para dentro da casa. Quando chegamos lá, já tinha mais dois rapazes no corredor e mandaram a gente se ajoelhar.
Agência RBS - Quantos policiais estavam no local?
Adolescente - Eram uns 10, todos fardados.
Agência RBS - O que os policiais faziam?
Adolescente - Os dois rapazes estavam algemados. Um estava deitado e tinha um saco na cabeça. Davam socos, tapas, coronhadas e pontapés.
Agência RBS - E o que aconteceu contigo e com outro menor?
Adolescente - A gente estava ajoelhado e preso com a mesma algema. Um dos policiais me estrangulou com o braço e outro colocou uma pistola na minha cara. Daí desmaiei, sufocado. Acordei e levei um susto porque o policial apontou a pistola na minha cabeça, engatilhou e perguntou: onde é que está o Valdir?
Agência RBS - Quanto tempo isso durou?
Adolescente - Apanhei uns 10 minutos.
Agência RBS - O que houve em seguida?
Adolescente - Me deram mais uns tapas, me colocaram de bruços no chão e tiraram minhas calças. Um policial me segurou e o outro introduziu o cabo (de vassoura no ânus do garoto entrevistado).
Quando este colunista entrou para a polícia, em 1963, como inspetor, sabia que ia exercer uma das mais sublimes profissões humanas, se fosse desempenhada com a finalidade do bem comum e a retidão com que precisam se dispor nesse mister os agentes voltados para o bem da comunidade.
Mas sabia também que, quando um policial se vale de sua função (poder) para cometer arbitrariedades, constitui-se num dos mais terríveis agentes da iniqüidade.
Foi isso que aconteceu em Flores da Cunha esses dias. Policiais militares pérfidos, verdadeiras feras humanas, maltrataram e torturaram uma família inteira durante muitas horas, em busca do assassino de um PM, morto horas antes em circunstâncias que serão esclarecidas pela Justiça.
Foi um dos piores crimes cometidos por agentes da autoridade policial em todos os tempos no RS.
O assassino do PM foi preso imediatamente e está ainda preso, justificadamente. No entanto, injustificadamente, ainda não foram presos os autores das atrocidades contra a família e o garoto empalado, vários praças e no mínimo três oficiais PM.
Esse crime não pode silenciar. O comando da Brigada Militar tomou as medidas administrativas cabíveis, afastando os envolvidos nos atos de tortura física e mental.
Fez bem a autoridade que pediu e obteve a prisão preventiva do assassino do PM, que solicitou e obteve a prisão preventiva dele.
Mas quem vai solicitar e obter a prisão preventiva dos torturadores? Por que a diferença?
Não se trata de incriminar a BM (meu pai foi coronel PM), que como toda a polícia tem missão divina, que, no entanto, vez por outra é malbaratada pelas mãos humanas perversas de alguns de seus integrantes.
Trata-se de fazer justiça. E as evidências do caso clamam que a justiça ainda está por ser feita.
Se não for feita, hipótese inaceitável, estará erigido entre nós o império da injustiça e da impunidade.
Ninguém, arrisco a dizer que até os próprios acusados, quer isso.
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